Olá, venener. Como você está neste último sábado de abril? Por aqui o tempo segue na pegada apocalíptica de uns dias de sol e calor escaldante, outros de frio e chuva torrencial. Bem tranquilo. Bem favorável. Até tô pensando em comprar uma mistura superfaturada de pós pra aumentar a imunidade hahaha. Olha, se eu continuar nesse ritmo de dormir 3h, 4h por noite talvez venha a cometer um crime desses, tá? hahaha
E que semana foi essa? Temos explicação astrológica? hahaha Eu fiz e refiz a listinha de assuntos pra essa edição um milhão de vezes. Teve congresso decidindo se mantém ou derruba os vetos do Lula ao PL do Veneno, mas no meio do caminho os abençoados adiaram a sessão. Teve tio Haddad fechando o texto da reforma tributária e enviando pros parlamentares votarem (com a taxação de refrigerantes inclusa, mas com muita coisa a definir ainda!!!). Teve uma ação conjunta entre 4 organizações latinas (do Brasil, Paraguai, Bolívia e Argentina) + uma alemã pra denunciar a Bayer pelos impactos do glifosato.
Teve uma leva de novas projeções sobre a recessão no país do Milei e a disparada da insegurança alimentar por lá. Teve divulgação de novos dados do IBGE sobre o mesmo tema no Brasil, que mostraram um cenário menos desolador quando comparamos 2023 com 2018, mas ainda assim não dá pra aceitar que 29,6% da população brasileira não tenha comida fresca garantida.
Teve o estudo gringo que encontrou indícios de que o consumo de ameixa seca pode prevenir a perda óssea na menopausa, pena que foi financiado por empresas que vendem, adivinhe!, AMEIXA SECA HAHAHAHA. Nos Estados Unidos também veio à tona o escândalo da demissão de uma nutricionista da Associação Americana de Diabetes. A gata se recusou a recomendar receitas com um adoçante de uma marca bafo que patrocina a instituição e foi convidada a se retirar. Assim mesmo, sem sutilezas, venener. Tá vendo como basta ter força de vontade de ser saudável?
Também rolou o dia da mandioca, 22 de abril, mil vezes melhor que lembrar de Pedro Álvares Cabral. Aliás, e o presidente de Portugal falando em reparar os danos causados no período colonial, hein? Aí depois vieram as desgraça dos parlamentares de extrema direita, que tão bombando no país do pastel de belém, e disseram que isso não faz sentido, e que têm orgulho da história portuguesa. Não deveria, mas sempre me surpreendo com a facilidade dessa gente de admitir sua veia fascista em 2024.
E entre as boas novas passamos pelo dia de São Jorge ou Ogum, 23 de abril, que aprendi a ritualizar no meu tempo de Rio de Janeiro, onde é feriado, se organiza mil festejos e se come feijoada. Amo! Inclusive preciso colocar no papel as medidas e o passo a passo da receita pra permitir que o mundo usufrua dessa divindade hahaha. Tenho dúvidas da minha competência em muitos aspectos, mas no quesito feijoada eu arraso, viu? Lembrando que meter um monte de legume numa panela de feijão preto não vale!!!! Tem técnica. Precisa de baldes de gordura!
🌎 GIRO DE NOTÍCIAS
Paris promete Olimpíada mais verde da história, com 60% de refeições vegetarianas
Não sei você, venener. Eu tô aqui contando os milésimos pros jogos olímpicos e paralímpicos de Paris, que vão de 26 de julho a 8 de setembro. Aliás, tirarei uns dias de férias nesse período, já vou adiantar, porque não consigo pensar em outra coisa a não ser acordar às 3h da manhã pra assistir às classificatórias do levantamento de peso, perder a voz com o vôlei, ter taquicardia com o atletismo, sofrer com as quedas na ginástica e xingar a existência do hipismo.
Das modalidades paralímpicas, sou obcecada por tênis em cadeiras de rodas e futebol de cinco, que tive o prazer de assistir pessoalmente no Rio 2016. Peço licença pra me gabar de ter visto de pertinho uma das maiores atletas paralímpicas da história, a Omara Durand, velocista cubana que ganha tudo com uma facilidade acachapante.
E na edição francesa dos jogos, a turma do croissant promete macetar o apocalipse e entregar a olimpíada com a menor pegada de carbono dos últimos tempos. Eis algumas das iniciativas propostas pela França pra alcançar o feito:
🪴A Arena Multiuso e o Parque Aquático terão 11 mil assentos feitos de plástico reciclado.
🪴As calçadas da Vila Olímpica são de conchas, que oferecem um conforto térmico maior que o asfalto. Seus apartamentos serão desprovidos de ar condicionado, o que achei bastante ousado tendo em vista as temperaturas médias altíssimas previstas. O Comitê Olímpico Brasileiro prometeu bancar a instalação do próprio bolso. Aliás, a Vila Olímpica é uma das grandes tretas do evento. O governo francês assegurou que a construção, localizada num dos bairros mais pobres de Paris, ajudaria a reduzir o déficit habitacional no entorno. O problema, venener, é que o metro quadrado dos 643 apartamentos disponíveis à venda depois dos jogos custará cerca de 7 mil euros!! Fora que diversas ocupações de imigrantes foram destruídas pra dar lugar à obra.
🪴Com exceção da Vila Olímpica, praticamente nada foi construído pro evento, só adaptaram estruturas que já existem na capital francesa.
🪴A maior parte dos atletas vai se hospedar num raio de até 10 quilômetros das instalações dos jogos, pra evitar o impacto do deslocamento, e deve usar metrô ou bicicleta. Por outro lado, o transporte público vai dobrar de preço no período dos jogos!
🪴As provas de natação em águas abertas e triatlo serão no Rio Sena, que dizem ter sido limpo pro evento. Por aqui também rolou uma promessa semelhante e o resultado é uma Baía de Guanabara mais podre do que nunca.
🪴Nenhum estacionamento extra foi planejado e construído pro evento. Nesse ponto vou passar um pano pros franceses, levantar e aplaudir. Não tem nada mais brasileiro, mais cafona e ultrapassado do que destruir árvore e complexo esportivo pra abrir espaço pra um monte de vaga pra carro. Olha aí o Mineirão, o Maracanã, etc.
E chegamos no bafão do momento. Nesta semana, as empresas responsáveis pelas refeições olímpicas chamaram jornalistas pra visitar uma fazenda local, fornecedora de batatas. Também deram mais detalhes dos princípios que nortearão os quitutes servidos pros atletas e pro público.
Aí vem aquele blábláblá marqueteiro que a gente já conhece, de reduzir a pegada de carbono a cada refeição, coisa difícil de medir e com métodos questionáveis. Mas veio junto de outra iniciativa bonita de vender, mas interessante: 60% da comida colocada à venda no evento será vegetariana, de sanduíches a pratos quentes, com opções veganas em todos os ambientes. A exceção são os estádios de futebol, OLHA SÓ, que terão apenas 40% de refeições vegetarianas porque o esporte mais machista do mundo precisa continuar reforçando seus estereótipos, né? Já diria Carol Adams:
A palavra “vegetal” funciona como sinônimo de passividade feminina porque as mulheres supostamente são como as plantas. Hegel deixa isso claro: “A diferença entre os homens e as mulheres é como a que existe entre os animais e as plantas. Os homens correspondem aos animais, ao passo que as mulheres correspondem às plantas porque seu desenvolvimento é mais plácido”. Desse ponto de vista, tanto as mulheres quanto as plantas são consideradas menos desenvolvidas e menos evoluídas do que os homens e os animais. Consequentemente, elas podem comer plantas, já que ambas são plácidas; mas os homens ativos precisam de carne animal.
(Trecho do capítulo I do livro A Política sexual da carne)
Parece ser uma imensa vitória ver um evento que equivale a 10 Copas de Mundo oferecendo comida sem carne na maioria dos pratos. Mas eu continuo batendo na mesma tecla: pra conjuntura atual ainda é pouco. A pecuária é a segunda atividade econômica que mais contribui pro aquecimento global. A gente não pode se contentar com O MÍNIMO, muito menos vindo de um país que ainda come foie gras.
Dos eventos internacionais à festa junina da quermesse, passando pelos estabelecimentos de comida, equipamentos públicos, todo mundo já devia estar reduzindo a sua oferta de produtos de origem animal pra permitir que a espécie humana sobreviva às próximas décadas. A gente tem que ter política pública que incentive isso pra ontem, como Alemanha, China e Coreia do Sul vêm fazendo. Esses dois países asiáticos têm reduzido imposto pra restaurantes vegetais ou que oferecem opções.
Sem falar na questão dos agrotóxicos. A gente só consegue fazer a transição de uma agricultura sintética pra agroecológica sem desmatar ou invadir terra indígena se a criação de animais ocupar menos espaço. Não é coisa das vozes da minha cabeça, mas de um estudo de pesquisadores da Washington University, que analisaram quinhentos modelos de produção de alimentos pelo mundo.
Eles chegaram à conclusão de que a única forma de alimentarmos 9,6 bilhões de pessoas em 2050 sem veneno é essa: com redução drástica no consumo de carne e derivados de animais. Segundo a pesquisa, as terras agrícolas existentes podem alimentar todas as pessoas se elas forem veganas; 94% se forem vegetarianas; e 15% com a dieta dos países abastados ocidentais: baseada em carne.
Além das opções vegetarianas com ingredientes locais, sazonais e 30% orgânicos, o comitê organizador dos jogos de Paris prometeu carne 100% sustentável, risos, laticínios franceses, pescados provenientes da pesca sustentável, risos, e ovos de galinhas criadas soltas em terras francesas. Tudo muito bonito, muito fofo, mas de onde será que vem a soja e o milho pra alimentar esses bichos de sotaque europeu, hein, venener? Eu apostaria num lugarzinho ali pra baixo, banhado pelo Atlântico, onde vive uma gente que come bastante milho, que ainda carrega as marcas do período colonial.
Falando em colonização, as provas olímpicas de surfe serão realizadas no Taiti, que fica na Oceania, a milhares de quilômetros dos comedores de ratatouille, que ainda é considerado território francês em pleno ano de 2024.
Ah, deixei duas informações bombásticas pro final. A empresa responsável por essas maravilhosas refeições olímpicas e super sustentáveis, que levou jornalistas pra fiscalizar a fazenda de batatas, é uma velha conhecida nossa pelas boas práticas, risos. Chama-se Carrefour. E uma das apoiadoras oficiais do evento é a Garden Gourmet, fabricante de hambúrgueres e salsichas à base de vegetais que pertence à estupenda e sempre ovacionada: Nestlé.
Acabou a mamata!
Empresas de alimentos e bebidas não podem mais fugir do alertas nos rótulos e da nova tabela nutricional
Teve gritaria da indústria. Chororô. A Justiça mandando a Anvisa parar de estender os prazos de adequação, mas agora acabou a enrolação de três anos e meio. A partir da última segunda-feira, dia 22, as empresas do setor alimentício precisam incluir a nova tabela nutricional e os alertas de alto teor de gordura saturada, açúcar adicionado e sódio nos seus produtos.
Mas quem é venener raiz já vem acompanhando as peripécias da nossa afortunada indústria de alimentos pra fugir do castigo que impacta nas vendas SIM. O modelo de alerta chileno, o primeiro da América do Sul, reduziu o consumo de bebidas açucaradas em 25% e de cereais matinais em 14%.
E muita gente não chega a deixar de comprar, mas pode reduzir a frequência e a intensidade, o que já é um ganho, né? Meu caso com paçoca hahahaha. Depois do selinho de alto açúcar eu não consegui comer mais de uma por vez. Mas, enfim. Já falamos em edições passadas do Jornal do Veneno que teve empresa reduzindo quantidade de açúcar nos seus produtos pra fugir dos alertas, como o guaraná, assim como outras deixaram suas equipes doidinhas trocando parte do açúcar por adoçante ou por concentrados de frutas. E temos as confusões:
🛒Os alertas também valem para produtos minimamente processados, como as pastas de oleaginosas, que recebem o alerta de alto em gordura saturada. Eu penso que isso confunde muuuuito as pessoas e que os alertas só deviam valer pros processados e ultraprocessados. Afinal, uma colher de sopa de pasta de castanha de caju jamais pode ser comparada a um biscoito recheado. Não faz sentido.
🛒Leguminosas in natura são isentas de alertas, ou seja, um pacote de amendoim tem a mesma quantidade de gordura que um pote de pasta de amendoim, mas o segundo recebe o alerta por já se tratar de um produto minimamente processado. Estranho, né? O mesmo produto, sem adição de nada, na mesma quantidade, só em formatos diferentes.
🛒E tem o drama da diluição. A Anvisa determina que os limites de açúcar, sódio e gordura saturada valem pros produtos prontos pra consumo. É assim que toddy, nescau e miojo conseguem escapar. Os dois primeiros recomendam a diluição do achocolatado em um copo de leite, o que reduz a porção de açúcar por ml. Mesma coisa do miojo, cuja embalagem determina o preparo em água, o que dilui a quantidade astronômica de sódio numa porção maior de produto. Eu acho surreal que o miojo tenha o dobro de sódio do limite estipulado pela Anvisa e consiga escapar. Um pacotinho minúsculo daquele tem 75% da quantidade de sal recomendada pra um dia inteiro. Devia receber todos os alertas do muuuuuuuuuuuundo!
Sobre as novas regras da tabela nutricional, eu reforço que achei importantíssimo termos uma padronização! Você lembra a zona que era? Não dava pra comparar a quantidade de açúcar e gordura de uma barra de chocolate pra outra sem ter que fazer uma regra de 3. Porque cada bonita trazia um valor por porção.
Agora não! Todo mundo tem que apresentar as informações nutricionais com base em 100g ou 100ml de produto. Aí sim! Agora a gente consegue comparar produtos da mesma categoria. Te convido a fazer o teste com marcas de azeitona. Pra mim é um tipo de produto que varia absurdamente em quantidades de aditivos e sódio dentro de faixas de preço muito semelhantes.
Tem mais dúvidas sobre a nova rotulagem da Anvisa? Manda aqui nos comentários que eu tento pesquisar pros próximos episódios.
👀 Pra entender o contexto: linha do tempo sobre as mudanças nas rotulagens de alimentos até chegarmos nos alertas.
🔎Pra investigar: guia do Idec com o passo a passo de cada item do rótulo dos produtos.
📝 Pra aprofundar: Donos do Mercado, livro que aborda como os grandes monopólios de supermercados, como o Carrefour, exploram seus trabalhadores, seus fornecedores e a sociedade.
🍃 SEGURA O CÉU
[Este é o novo quadro do Jornal do Veneno, que vai trazer iniciativas ecológicas e interessantes para macetar o apocalipse. O nome do quadro é inspirado no livro “A queda do céu”, escrito pelo antropólogo Bruce Albert e pela liderança yanomami Davi Kopenawa. Os yanomami entendem que a ganância capitalista dos brancos vai derrubar o céu, ou seja, destruir a vida humana na Terra.]
Sem juntar uma coisa na outra, recomecei a leitura de Cem anos de solidão exatamente na semana em que rolou a vigésima edição do Acampamento Terra Livre, em Brasília. É apenas a maior mobilização indígena do planeta.
O tema do ano traz um recado direto e objetivo dos nossos seguradores do céu contra a lei do Marco Temporal, aprovada no congresso. E também ao governo do esposo da Janja, que se elegeu com a promessa de retomar a demarcação de terras e tá se coçando até agora: "Nosso marco é ancestral. Sempre estivemos aqui".
Costumo ficar de olho no que rola no acampamento pelo perfil da Kerexu, liderança Guarani aqui do Morro dos Cavalos, em Santa Catarina, que conheço pessoalmente. E agora tô amando espiar pelos olhos do Chavoso do USP, que foi pela primeira vez e tá mostrando a parte dos festejos, a riqueza de um encontro com mais de 200 etnias reunidas.
Logo depois de bizolhar os stories do Chavoso, caí no discurso do Gabriel García Marquez pra premiação do seu Nobel de Literatura, em 1982. Nem expliquei, mas tentei ler o Cem anos de solidão diversas vezes e desistia depois de me perder demais hahaha. Agora acho que é a hora certa de insistir porque tá saindo a série na Netflix e tô mais madura pra digerir a complexidade da narrativa hahahaha.
A edição que tenho aqui em casa traz o discurso do Nobel como uma espécie de introdução do livro. Eu tava acabada, o olho ardia de sono, mas não conseguia parar de ler. Entre uma sarrafada e outra nos europeus, nosso escritor colombiano premiadíssimo despejou essa poesia aqui sobre o povo latino:
“E ainda assim, diante da opressão, do saqueio e do abandono, nossa resposta é a vida. Nem os dilúvios, nem as pestes, nem a fome, nem os cataclismos, nem mesmo as guerras eternas através dos séculos e séculos conseguiram reduzir a vantagem tenaz da vida sobre a morte”.
Então é isso?
Obrigada por seguir nessa jornada comigo e pela companhia de sempre.
Aaaaaaah! Já ia esquecendo!!!! Na terça eu mando as Colheradas pro pessoal do apoio aqui no Substack, no Orelo ou no Catarse. Você pare de ser mão de vaca, porque eu sei que tu tá gastando rios de dinheiro no Ifude, e vem apoiar o trabalho desta que vos fala. Aí você já recebe as Colheradas no seu e-mail também, uma newsletter bem mais levinha e saborosa do que esse jornal aqui hahahaha.
Um beijo e até terça ou sábado,
Juliana.
Meu Deus, cada vez que voce usa o termo "macetar o apocalipce" so consigo ler imaginando a voz da veveta kkkkkkkkkkkk, de resto surreal a questao da azeitona numa li os aditivos, chocada
Falando em França e deslocamento de moradores imigrantes de cidades satélite de Paris, tem uma série do podcast Antinomia, Jardins da Comuna, com a maravilhosa Sandra Guimarães, contando a história dos jardins cultivados pelo povo, comunitários, ela mesma sendo uma moradora de lá. E a batalha que estava sendo pra não colocarem tudo abaixo em função das Olimpíadas.. Tenho uma relação muito de amor e ódio com essas olimpíadas, pois existe essa base de destruição pelo lucro que me deixa um gosto amargo. Mas ao mesmo tempo amo demais atletismo e torço muito pelas e pelos atletas 🫰🏻