Olá, venener. Bom sábado pra você! Tirei mais uns dias de férias, me lambuzei de medalhas paralímpicas (foi tudo!), mas não consigo desligar dessa situação de ar insalubre que 60% do país respira. De cidades do Mato Grosso do Sul apresentando um nível de poluição 25 vezes acima do limite considerado adequado pela Organização Mundial de Saúde. Do Ministério da Saúde mostrar uma das piores gestões de crise desde a pandemia.
Aí a gente desanima, se desespera, não vê saída, se deprime, cai facilmente em falsas soluções, no fatalismo, naquele papinho de “já deu, não tem o que fazer, o ser humano tá colhendo o que plantou”.
Essa é a primeira batalha: acreditar que há sempre o que ser feito. Fora que tirando o Elon Musk e seus amigos, o ser humano não é um estorvo pro planeta, a estrutura que o condiciona que é.
Tinha me planejado pra focar no manejo integrado do fogo nesta edição, no que os povos tradicionais ensinam sobre as queimadas. Pelo menos foi isso que prometi no último Jornal do Veneno hahahaha. Acho importante esclarecer que o fogo não é necessariamente uma catástrofe sempre. No entanto, tenho sentido que a nova estratégia de comunicação das entidades que representam o agronegócio se espalha com muita facilidade, inclusive dentro da minha comunidade no Instagram.
As associações, influencers, políticos e empresários do setor agrícola insistem num argumento que faz bastante sentido se a gente não tiver acesso a informações confiáveis e dados históricos. A princípio, um produtor rural não teria motivo pra “estragar” o próprio local de trabalho, colocar os animais e as roças em perigo, perder grana. Então, essa edição vai voltar umas casinhas atrás e se debruçar sobre a relação entre o ar insalubre que respiramos e a atividade que financia o agronejo.
Boa leitura! :)
🌎GIRO DE NOTÍCIAS
Focos de incêndio em áreas de pasto chamam atenção, mas nem sempre se relacionam ao desmatamento
Nossa primeira queimada registrada por satélites e de grande repercussão tem sotaque alemão e sobrenome Volkswagen. Impulsionada pelos incentivos dos militares nos anos setenta, a gigante dos carros resolveu diversificar sua área de atuação. Por meio da Companhia Vale do Rio Cristalino, começou a espalhar bois por 139.292 hectares de floresta no estado do Pará.
Pra tornar a empreitada viável numa vegetação densa, de árvores altas, copas fechadas e umidade nas alturas, a empresa europeia seguiu a recomendação da velha guarda latifundiária brasileira, que já havia herdado a prática dos colonizadores: derrubar a mata, lucrar com a venda da madeira, esperar o mato secar e tacar fogo pra abrir espaço pra pastagem.
Iniciativas do tipo exigem equipamento, mão de obra e combustível, ou seja, não são pra qualquer Silva. Segundo apuraram os jornalistas pra este episódio do podcast Bom dia, fim do mundo, colocar fogo em um único hectare de terra custa em média R$1.500.
A companhia chefiada pela Volks tinha autorização do estado pro desmonte, mas resolveu seguir o caminho da velha guarda mais uma vez: desmatou além do permitido, deu origem à “maior fogueira do mundo”, conforme noticiou a imprensa internacional, e ainda foi denunciada por trabalho análogo à escravidão.
Passados dez anos, a corporação ainda não conseguia se livrar da publicidade negativa, especialmente no exterior. Acabou vendendo sua subsidiária brasileira pro grupo Matsubara por 25 milhões de dólares. Esse grupo já era conhecido pela grandeza de suas atividades agrícolas, tanto que o japonês que dá nome à empresa recebia o apelido de “Rei do Algodão”.
Por mais que a montadora alemã tenha desistido dos negócios com o gado, as práticas financiadas por ela não só permanecem, como ganharam novos arrojos. Pecuaristas continuam tomando cafezinho com madeireiros, mas agora também dão match com garimpeiros e empresários do tráfico de entorpecentes.
Por mais que o inelegível tenha se esforçado pra retomar o tempo dos militares, antes dele já surgiram leis ambientais, mais fiscalização alinhada à tecnologia, muita atenção internacional pra Amazônia, política pública na região, demarcação de terra indígena, e assim a distribuição de terras no Norte passou a ser um pouco menos desaforada. UM POUCO.
Nesse sentido, a corja em questão passou a insistir em outro caminho pra expandir seus lucros: tomar terras ilegalmente a qualquer custo, o que inclui eleger prefeitos e parças cúmplices na empreitada.
O que não faltam desde então são casos de fazendeiros e empresas do setor agropecuário que invadem áreas públicas, indígenas, de preservação, pra depois tentar legalizar a titulação e a atividade econômica empregada. E muitas vezes conseguem!!!!
No ano passado, uma investigação da Agência Pública em parceria com a Associated Press mostrou que a JBS, dona da Friboi, e outros três frigoríficos são réus em processos por danos ambientais cometidos na Reserva Extrativista (Resex) Jaci-Paraná, em Rondônia. Trata-se da unidade de conservação mais desmatada da floresta amazônica.
De acordo com um laudo citado pelos jornalistas, as embaixadoras da carne contribuíram pra destruição do equivalente a 214 campos de futebol de área de proteção. Desmataram e atearam fogo pra substituir a vegetação nativa por cerca de 216 mil bois. Infelizmente, dá pra fazer de conta que esses bichos foram criados em terras regularizadas na hora de vender pra indústria. O esquema chama-se “lavagem de gado”. Vamo combinar que frigoríficos nacionais e países que importam a nossa carne também se beneficiam ao fazer vista grossa pro esquema.
A notícia menos ruim é que a Justiça de Rondônia conseguiu provas da operação criminosa. Com isso em mãos, no começo desse mês a juíza da 1ª Vara de Fazenda Pública de Porto Velho (RO) Dona Inês Moreira da Costa, nossa guerreira, condenou os frigoríficos Distriboi e Irmãos Gonçalves a desocuparem a área, a demolirem as edificações erguidas e a retirarem o gado. Além disso, as empresas foram condenadas a uma indenização de R$4,2 milhões e a implementar um projeto de restauração da parte destruída. E olha que interessante: um dos proprietários dos frigoríficos é apenas o vice-governador do estado, senhor Sérgio Gonçalves, do União Brasil.
Tendo tudo isso em vista e sabendo que a seca severa causada pelas mudanças climáticas intensificaria as queimadas “comuns” ao inverno, o governo do barbudinho segue investindo na redução do desmatamento. Foram dez meses seguidos de baixa nos índices, chegando a 60% em janeiro. Revigorante. Necessário. Animador. Mas insuficiente.
Não endosso muito essa teoria, mas há analistas políticos e ambientalistas que atribuem a queda desses números à lei antidesmatamento do parlamento europeu, prevista pra entrar em vigor em poucos meses, no início de 2025. Essa é uma das tretas do acordo entre Mercosul e União Europeia, e tenta impedir a importação de produtos brasileiros relacionados ao desmatamento, como soja e carne.
Pressionados pela bancada ruralista, os ministros da Agricultura e das Relações Exteriores, Carlos Fávaro e Mauro Vieira, pagaram o mico de enviar uma carta à cúpula europeia implorando pra legislação não ser aplicada, já que pode fazer os grandes fazendeiros, coitados, perderem em torno de 15 bilhões de euros. SIM, ELES FIZERAM ISSO AGORA, ENQUANTO O PAÍS RESPIRA FULIGEM.
Há quatro anos, os dados da plataforma Modis, da agência especial americana (Nasa), já informavam que 71% das queimadas amazônicas ocorreram em terras usadas pra lavoura de soja e pastagem, 24% foram incêndios em florestas e 5% em áreas recém desmatadas.
A gente já tinha esses números, já sabia que as queimadas são provocadas mesmo sem relação direta com o desmatamento, mas pouco foi feito nesse quesito. Também não faltaram avisos dos cientistas de que nossos biomas estão castigados pela estiagem, pela secura do ar e pelo calor, o que os torna mais propensos ao alastramento do fogo.
A vegetação amazônica, por exemplo, enfrenta a sua pior seca em 70 anos. Com um solo já degradado pelo histórico de exploração e menos umidade, não é preciso pagar caro pela derrubada das árvores pra abrir uma nova lavoura, começar uma pastagem ou invadir uma terra. O fogo por si só já dá conta, além de escalar com muita facilidade pra áreas próximas, sem controle.

Mas nem todo fogo….
Esse é um ponto fundamental pra compreender o cenário catastrófico que a gente vive, esse ar insalubre de fumaça. Existem diferentes razões pra que uma terra pegue fogo:
🔥Queimada natural: provocada por raios, vulcões. Não é o caso dos três biomas que mais queimam no momento.
🔥Queimada prescrita a partir do manejo integrado do fogo: prática milenar respaldada pela ciência e regulamentada por meio de uma lei, que usa o fogo de forma planejada como ferramenta de prevenção contra incêndios. O povo Kalunga, que vive no Cerrado, tem uma brigada especializada nessa ferramenta.
🔥Queimada acidental: provocada por uma bituca de cigarro, por exemplo, e é considerada criminosa.
🔥Queimada controlada: permitida aos produtores rurais desde os anos 1930 sob um conjunto de regras e apenas com autorização dos governos estaduais. Porém, pouca gente pede esse aval. A intenção dos fazendeiros costuma ser limpar o terreno pra começar uma nova safra, limpar o pasto, reduzir doenças, as “pragas”, ou desmatar uma área. O problema de fazer a coisa na surdina é que as chances de se perder o controle do fogo aumentam, principalmente em tempos de emergência climática. Os produtores rurais parecem não entender que colocar fogo agora é bem diferente de colocar há 10 anos, muito mais perigoso.
Por conta da explosão de fumaça pelo país, São Paulo, Mato Grosso e Mato Grosso Sul suspenderam todas as licenças pra uso do fogo.
De janeiro pra cá, o Ibama aplicou 31 multas por uso do fogo de forma irregular, seja sem autorização ou para desmatamento, o que soma um total de R$17 milhões. Nenhuma das multas foi paga até o momento e na maioria dos casos é possível recorrer.
🔥Queimada totalmente mal intencionada e criminosa: relacionada à grilagem, disputa de terras e desmatamento ilegal. Não é comum apenas ao setor agropecuário. Mineradoras, construtoras e garimpeiros também têm interesse na prática.
O Pampa é o único bioma brasileiro que apresentou queda em focos de incêndio em relação ao ano passado. E quase ninguém lembra, mas a Caatinga também queima, especialmente no Piauí, outro estado onde a soja tá em ascensão. Mas três deles se destacam nas chamas, justamente quem compõe a nova fronteira agrícola do país e dos vizinhos: Amazônia, Cerrado e Pantanal. A única exceção nesse ano foram os canaviais do interior de São Paulo, região de Mata Atlântica, mas o caso tem várias particularidades que exigem mais investigações.




Afinal, a culpa é de quem?
Não falta tecnologia, nacional e estrangeira, pra analisar as áreas queimadas, mas é quase impossível flagrar alguém riscando o fósforo ou comprovar que esse alguém estava à serviço de fulano. Essas investigações exigem tempo, investimento, trabalho em conjunto de vários órgãos e ausência de rabo preso, outro desafio num país em que o setor agropecuário influencia todas as instâncias de poder.
De qualquer forma, os indícios transbordam. Os municípios de São Félix do Xingu (PA) e Corumbá (MS) lideram em áreas queimadas até o momento, enquanto há uma grande coincidência entre ambos: possuem os dois maiores rebanhos bovinos do país, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
De todos os biomas, o Pantanal é quem mais apresenta queimadas em área de pastagem. E isso já vem de tempos. Desde 1998, quando o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) começou a registrar os focos de incêndio no país, as queimadas em fazendas de criação de gado com ou sem autorização dos estados degradam o solo e dizimam o refúgio de araras azuis, das onças pintadas.
É inegável que há pequenos, médios e grandes produtores de hortaliças, frutas, cereais, leguminosas, café, e até pecuaristas, que não apoiam, não usam o fogo nas suas terras de forma criminosa e ainda saem no prejuízo. Sem dúvida também existem muitos que seguem as diretrizes dos estados, buscam autorização, se esforçam pra não transformar a limpeza da área em incêndio florestal.
Mas os fatos históricos não aliviam pros produtores rurais brasileiros, especialmente pra grandes empresas e latifundiários. Mesmo com disparidades dentro do setor, suas entidades representativas e políticos de estimação trabalham incansavelmente pelo afrouxamento das leis ambientais e pela retirada de direitos dos povos tradicionais.
Os perfis de redes sociais dos integrantes da bancada ruralista, como o deputado Alceu Moreira (MDB), tão recheados de publicações em defesa do Marco Temporal e todo tipo de ataque aos povos originários. E não há como defender preservação e enfrentamento ao aquecimento global reduzindo os direitos indígenas e quilombolas.
Sem falar que as práticas de monocultura, uso intensivo de agrotóxicos, de sementes transgênicas e fertilizantes químicos, que resumem o modo de produção da agricultura moderna, destroem a biodiversidade, contribuem pra redução do volume de chuvas e aumentam as emissões de gases do efeito estufa: tudo o que têm intensificado as queimadas.
Mesmo sendo ridículo comparar o governo do esposo da Janja com o do marido da Michelle na área ambiental, o barbudinho não tem assumido seus compromissos de campanha. Não dialogou com os servidores do Ibama durante a greve, demarcou menos terras indígenas que o prometido, ainda não criou oficialmente a tal Autoridade Climática, e lançou um Plano Safra com incentivos absurdos ao agronegócio, desproporcionais à agricultura familiar.
O governo Lula faz acenos positivos, reconhece a crise climática, sinaliza pra mudanças, mas a conjuntura grita por um compromisso ecológico jamais visto, o que passa, sobretudo, pelo enfrentamento aos gigantes do agronegócio.
📝 Pra aprofundar: artigo da mamacita Sabrina Fernandes sobre como enfrentar a crise das queimadas.
👀 Pra ir além: podcast Morte e Vida Javari, pra entender a ocupação mais recente da Amazônia.
💡Pra aprender: documentário Ser tão velho Cerrado, sobre a história da degradação do bioma e de quem tá lá resistindo, disponível no Youtube e Netflix.
🪴Pra seguir: perfil da pesquisadora quilombola e ativista Fran Paula, cria do Pantanal.
😹 CHORO CURTO, MAS RIO COMPRIDO
[Esse é mais um quadro novo do Jornal do Veneno, que vai trazer novidades dignas de choro de tristeza, mas que de tão bizarras fazem o riso sobressair. O nome é inspirado num bloco de carnaval sediado no bairro Rio Comprido, Rio de Janeiro, onde eu e o conje moramos por uns anos]
Não tem muito clima pra quadro, mas não posso guardar isso só pra mim. Desculpe por te intoxicar, mas é babilônico demais hahahaha.
Depois do sucesso nos Estados Unidos (claro!), chegam nesse mês ao Brasil e à Argentina dois produtos inéditos e em edição limitada, fruto da parceria entre Spotify, Coca Cola e Oreo.
O que poderia acontecer ao juntarem um ultraprocessado líquido com adição de corante caramelo com seu amigo ultraprocessado comestível com adição de corante caramelo? Pois é, podia ter explodido hahahaha. Mas a parceria entre as marcas deu origem a um refrigerante sabor Oreo e um pacote de biscoitos sabor Coca. Meu ponto preferido é esse aqui: o biscoito é sabor coca ZERO! HAHAHAHAHAHA NÃO É QUALQUER COCA HAHAHAHAHA.
Não há mais nada a dizer.
É isso! Me ajuda na divulgação?
Obrigada pelo apoio de sempre e por compartilhar tantas indignações afins.
Um beijo e até sábado que vem,
Juliana.
Observação: segue o pix pros apoios aleatórios: jornaldoveneno@gmail.com.
tirando o atraso nas leituras por aqui, mas olha, preciso dizer que eu preferia ter pulado esse último quadro, rs. deu até um mal estar ler sobre essa pataquada da oreo com a coca, parceria diretamente de chernobyl x.x
É raiva atrás de vergonha 🫠🫠