Açúcar na infância, isenções e RJ #97
Aquele esquema de notinhas comentadas mais o quadro "Segura o céu"
Olá, venener. Bom sábado pra você. Fiz uma coisa inédita nessa semana: liguei a TV pra ver o ex-marido da Fátima usar sua voz sexy e entonação dramática, em horário nobre, pra revelar os detalhes do plano golpista da turma do inelegível. Mais saboroso que o indiciamento dessa gente de quinta só moqueca de caju e um país realmente democrático.
O planejamento desta edição acompanhou o ritmo frenético da semana. Comecei de olho na Conferência sobre Mudanças Climáticas que tá rolando no Azerbaijão, a COP29. Já era pra ter acabado, mas os embates sobre financiamento tomaram mais tempo que o previsto e o documento final ainda não saiu até esta sexta.
Depois comecei a escrever sobre os acordos assinados durante a Cúpula do G20, no Rio, e ia focar só nisso até o senhor Haddad divulgar as empresas que mais recebem isenções fiscais de um programa governamental. Por último, ainda saiu uma pesquisa sobre os riscos do consumo de açúcar pra crianças menores de dois anos. Nasceu, assim, mais uma edição só de notinhas hahaha.
Pra encerrar, novidades. Fim de ano já é pesado demais, né? Então de agora até o último Jornal do Veneno, dia 21 de dezembro, teremos várias edições seguidas do bloco “Segura o céu”. Nada de canudo de bambu e carros elétricos hahaha. Vem aí uma série de iniciativas agroecológicas que merecem a divulgação devida. Uma ótima oportunidade de mostrar que comida sem veneno não é coisa de barbie burguesa consciente.
Boa leitura! :)
🌎 GIRO DE NOTINHAS
🍭SEM AÇÚCAR ATÉ OS 2 ANOS. Não é de hoje que a ciência entende os primeiros anos de vida de um ser humano como os mais cruciais pro seu desenvolvimento. Freud também disse, mas não vamos entrar em polêmicas, já que o papi não é consenso. Nos últimos tempos, porém, a alimentação de gestantes e dos primeiros dois anos da criança ganhou ainda mais atenção e alertas.
A Associação Brasileira de Pediatria e o Ministério da Saúde recomendam que nenhuma criança consuma qualquer variação de açúcar até completar 2 aninhos. Nadinha. Estamos falando de açúcar branco, mascavo, demerara, xarope de milho, mel, melado, rapadura, açúcar extraído da aveia (presente em marcas de leite vegetal como Nude e Naveia), açúcar extraído da beterraba (comum em doces europeus), maltodextrina, xarope de malte. N-A-D-A. A recomendação se estende a preparações que levam esses ingredientes, como bolos, geleias e biscoitos, mesmo nas versões caseiras. Alô, vovós! As exceções são os açúcares naturais das frutas e as fórmulas infantis (desde que não haja outra alternativa).
Não faltam estudos que apontam que esse período de vida - do útero até os primeiros dois anos - impacta substancialmente a saúde de uma pessoa, além de ser a fase onde criamos hábitos alimentares que tendem a persistir por décadas. Uma pesquisa com a população do Reino Unido, publicada agora pela University of Southern California, trouxe novos indícios sobre os resultados negativos do consumo de açúcar nessa faixa etária.
Os pesquisadores usaram um banco de dados em que 60 mil pessoas nascidas entre 1951 e 1956 tiveram a saúde monitorada com frequência. A escolha da data se deu por conta do período de transição após a Segunda Guerra Mundial. Essas pessoas nasceram durante o fim do racionamento de alimentos e disparada do consumo de açúcar no Reino Unido, que dobrou exatamente em 1953. Não houve mudança significativa na ingestão de outros ingredientes associados a doenças na mesma época.
Ao comparar as pessoas nascidas nesses anos, os cientistas observaram uma incidência menor de diabetes tipo 2 e hipertensão em que nasceu antes do período da explosão do consumo de açúcar. No entanto, as pessoas que pegaram a época de racionamento enquanto estavam dentro no útero, antes de nascer, apresentaram os melhores índices de saúde ao longo da vida.
Para saber mais sobre as recomendações alimentares na infância, acesse o nosso maravilhoso Guia Alimentar para Crianças menores de 2 anos (sim, temos esse também!).
💰DEIXARAM DE PAGAR IMPOSTO. Pra amenizar a imagem de capacho do mercado financeiro e do centrão, já que em breve vai anunciar cortes sociais, o excelentíssimo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, resolveu lacrar. Nesta semana, divulgou uma lista de empresas beneficiadas com isenções de impostos pelo Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse).
Os dados da Receita Federal informam que 15 mil empresas deixaram de pagar R$9,7 bilhões ao governo federal neste ano por meio do programa. O líder da lista é um velho conhecido nosso, o Ifood, que recebeu R$336 milhões de desconto em impostos só entre janeiro e agosto desse ano. Em seguida, vem a companhia aérea Azul (R$303 milhões) e a rede Enotel Hotel e Resorts (R$171 milhões).
No ranking da mamata, aparecem empresas de celebridades e influenciadores. Virginia Fonseca, nora do agronejo Leonardo (R$41,6 milhões), Gustavvo Lima agronejo das apostas (R$18 milhões), Felipe Neto (14 milhões) e Ana Castela (9 milhões) compõem a listinha de quem não pagou tributos como PIS, Cofins, Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
Mas os abençoados são formiguinhas perto dos impostos que o setor agropecuário deixou de pagar em diversas frentes apenas nesse ano. Empresas de adubos, fertilizantes e agrotóxicos somaram R$25 bilhões em desconto de impostos. Esse valor é OITO vezes maior que o orçamento do Ministério do Meio Ambiente pra 2024. Sozinha, a gigante do veneno Sygenta ganhou R$1,8 bilhão em incentivos enquanto todo o Ministério dos Povos Indígenas só teve R$800mil pra gastar até dezembro.
Confira a lista completa de empresas aqui, se tiver estômago pra passar mais raiva.
✍️SALDO DO G20. Desde 2008, um grupo de governantes de países que se acham os mais relevantes do planeta se reúne anualmente. De fato, são as economias responsáveis em peso pelas emissões dos gases do efeito estufa. Quer dizer, ninguém chega aos pés de Estados Unidos e China nesse sentido, vale lembrar.
Dessa vez, a presidência do encontrão ficou com o Brasil, que juntou todo mundo no Rio de Janeiro. São presidentes, ministros e diplomatas de: África do Sul, Alemanha, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Canadá, China, Coreia do Sul, Estados Unidos, França, Índia, Indonésia, Itália, Japão, México, Reino Unido, Rússia e Turquia, além de representantes da União Africana e da União Europeia. Outros países também costumam participar como convidados.
Tudo transcorreu de forma espetacular. O influencer francês Macron tirou fotos com fãs na orla de Copacabana, o primeiro ministro da Noruega comeu bolinho de bacalhau em Santa Teresa, o representante japonês se deslumbrou com o nascer do sol em frente ao Morro Dois Irmãos, a filha do Biden abraçou uma sumaúma no Jardim Botânico, o Wolverine fascistoide da Argentina pousou de cara feia pras fotos oficiais, e o prefeito Eduardo Paes decretou um feriado gigantesco pra garantir a ordem na cidade maravilhosa, o que reduziu os serviços sociais e deixou a população em situação de rua sem comida.
Nas instalações do Museu de Arte do Rio (MAM), os líderes aprovaram com consenso uma declaração final publicada na última segunda-feira, dia 18. Excluído da galera, Javier Milei tentou causar e divulgou ressalvas ao texto, o que não deu em nada e não impediu sua assinatura no documento.
O texto pediu o fim da guerra da Ucrânia, do genocídio cometido por Israel em Gaza (sem usar esse termo, óbvio), e a taxação de “indivíduos com patrimônio líquido ultra-alto”, isto é, dos bilionários.
Na área ambiental, a galera renovou seus compromissos para zerar as emissões líquidas sem uma data definida e reforçou a necessidade do financiamento climático pra compensar os estragos nos países do Sul Global, ponto que tá em disputa na Conferência do Azerbaijão. Por enquanto, ninguém viu a cor dessa grana.
A grande expectativa do Brasil foi cumprida com louvor: 82 países, 24 organizações internacionais, nove instituições financeiras e 31 entidades filantrópicas aderiram à Aliança Global contra a Fome e Pobreza. O pacto tem como meta zerar a insegurança alimentar até 2030 por meio de programas de transferência de renda e de alimentação escolar, como aqueles que já temos por aqui.
Por outro lado, nem uma única linha sobre reforma agrária ou sobre políticas públicas pra fomentar a agricultura familiar e agroecológica. Aí a gente conhece o resultado. Quando as medidas são apenas paliativas, não movem as estruturas, retrocederemos assim que o governo mudar de comandante.
Como nos ensinou o mestre Josué de Castro, a fome é um projeto político e produto da apropriação injusta de recursos da natureza. Ações reparadoras são urgentes e necessárias, mas não suficientes.
🪴Segura o céu
[Este é o quadro do Jornal do Veneno que vai trazer iniciativas ecológicas e interessantes para afastar o apocalipse. O nome do quadro é inspirado no livro “A queda do céu”, escrito pelo antropólogo Bruce Albert e pela liderança yanomami Davi Kopenawa. Os yanomami entendem que a ganância capitalista dos brancos vai derrubar o céu e, assim, destruir a vida humana na Terra]
Quando alguém pensa no Rio de Janeiro, geralmente pensa em três pontos: paisagens paradisíacas, megaeventos e todo tipo de afronta à Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Mas como é de praxe em grandes cidades latino-americanas, existem outras faces invisíveis aos noticiários. E nesse caso, também ocultas dos cenário das novelas. O estado onde nasceu Cartola, Oscar Niemeyer e Fernanda Montenegro reúne uma das grandes redes de agricultura urbana, familiar e agroecológica do país.
Como está longe de integrar a lista de maiores produtores de alimentos do Brasil desde a decadência do setor cafeeiro, e se destaca nos números de insegurança alimentar, essas experiências se tornam ainda mais fundamentais pro abastecimento de comida na região.
No ano passado, o projeto Afluentes do Rio: Da prática à política - experiências e redes de agroecologia em defesa da alimentação saudável e adequada no Brasil mapeou iniciativas de agricultura ecológica no estado e encontrou 260 exemplos, a maioria em áreas urbanas. A investigação foi coordenada pela AS-PTA, financiada pelo Agroecology Fund e contou com rodas de conversa e trocas de saberes entre os participantes.
Na segunda fase do projeto, que encerra agora, cinco dessas iniciativas foram selecionadas para um mapeamento mais detalhado. A escolha se deu seguindo o critério de envolver comunidades de baixa renda e, sobretudo, mulheres negras.
Uma dessas iniciativas inspiradoras é a Rede Ecológica, que articulou a Campanha Campo e Favela dando as mãos contra a fome na época da pandemia. Entre 2018 e 2022 (adivinha quem ocupava a presidência!), a fome aumentou em 400% na população fluminense. Cerca de 2,7 milhões de pessoas enfrentaram algum grau de insegurança alimentar.
Pra cobrir o buraco deixado pelo poder público, a rede articulou camponeses, educadores, assentados da reforma agrária, movimentos sociais, e organizações sem fins lucrativos pra arrecadar e distribuir alimentos em sete territórios da região metropolitana.
A mesma rede já conecta produtores agroecológicos e assentados a consumidores de bairros mais urbanos há mais de 20 anos. Sem intermediários nesse processo, quem planta recebe um valor mais justo e quem compra paga um valor mais acessível. Os produtos comercializados nessa parceria vão de vegetais frescos a farinhas, açúcar e até produtos de limpeza artesanais.

O elo entre as pessoas e as organizações que atuam em rede ultrapassa a questão comercial. Eles se articulam em reuniões, formações, atuam juntos para pressionar por políticas públicas e apoiam uns aos outros nos perrengues.
Outra campanha tocada pelo grupo conseguiu comprar um caminhão para o Coletivo Alaíde Reis, do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) do sul fluminense. Como a maioria dos produtores de alimentos não recebe subsídios dos governos e enfrenta dezenas de percalços da produção à distribuição, a Rede Ecológica também criou um Fundo Rotativo de Crédito Solidário pra apoiar esses agricultores que insistem em plantar em equilíbrio com a natureza.
Pra conhecer mais sobre essa rede, apoiar e divulgar, dê uma espiada aqui. Sempre tem uma campanha rolando.
Fechamos por hoje?
Semana que vem é dia de dose dupla: Jornal do Veneno + Colheradas (a newsletter mais levinha só pra apoiadores).
Ah! Se encontrar promoções de azeite na black friday, me manda hahaha. Todo ano eu faço esse apelo no nosso grupo do Telegram. Mas dizem que a produção espanhola tá melhorando e os preços podem baixar, né? Aguardemos.
Obrigada pela companhia em mais uma semana intensa e pelo apoio de sempre.
Um beijo e até o próximo sábado,
Juliana.
Observação: doações por pix é no jornaldoveneno@gmail.com
Coisa mais bonita todo o trabalho feito pela Rede Ecológica, e como é bom conhecer mais iniciativas assim! Esse seu quadro "Segura o céu" tem todo o meu coração!
Essa de isenção dá muito ódio, viu. Quando vejo o meu contracheque, os impostos que eu pago até pra deixar meu dinheirinho render, absurdo.