Itália proíbe carnes cultivadas e desmatamento x chuvas - edição piloto
Mais um quadro novo fofinho pra macetar o apocalipse
Olá, venener! Tá no ar a primeira edição escrita do jornal que não deveria existir. Aaiiii, friozinho na barriga! E dessa vez não vou precisar te situar com o meu nome e da newsletter porque já tem tudo escrito aqui em cima hahaha.
E não importa se você se besuntou de cerveja de milho transgênico daquela multinacional horrorosa nos últimos dias, se comeu muito salsichão do futuro, se chorou com a Portela, etc. Aproveitar o carnaval é, sobretudo, trabalhar menos. E espero muito que você tenha conseguido esse refresco.
Mas óbvio que não vou deixar de citar o desfile gostosinho da Mocidade Independente de Padre Miguel, que a gente sabia ser desprovido de chances de título, mas que também não merecia ficar atrás da Tijuca, né. Eu amei a provocação da comissão de frente, que colocou o caju no seu devido lugar, tirando a banana do trono da brasilidade, já que nem nativa a bonita é.
E vamos ao clichê de desejar feliz 2024 e começar logo essa bagaça porque você sabe que eu prometo episódios curtos desde antes de cristo e nunca consigo cumprir. Especialmente agora na versão escrita do Jornal do Veneno. A tendência é que eu exceda com muita facilidade o limite de caracteres aceitáveis pra uma newsletter.
🌎 GIRO DE NOTÍCIAS
Gabi Prioli e a proibição de carnes cultivadas na Itália
Tava tudo muito tranquilo e muito favorável pras carnes de laboratório. A Anvisa dos Estados Unidos acabou de liberar o comércio de frango fake, nossa Embrapa diz que já tá nas fases finais dos testes, Israel coleciona startups do setor (enquanto massacra a Palestina), e até a nossa rainha de bateria da Faria Lima, Gabi Prioli, se mostrou uma entusiasta do negócio nos últimos dias.
Por outro lado, os países que encabeçaram os primeiros testes chegaram agora na segunda fase do jogo, a regulamentação. E a treta começa no fato de que não há consenso nem em como categorizar esses produtos. São alimentos de origem animal? Vegetal? Ultraprocessados? Produtos fármacos? Por enquanto, as startups têm insistido no termo “proteínas vegetais”.
Esse foi um dos temas discutidos de forma calorosa na reunião do Comitê de Agricultura e Pesca da União Europeia, em Bruxelas, Bélgica, no mês passado. De um lado, Espanha, Holanda e Alemanha querem avançar na regulamentação por investir pesado na carne cultivada. De outro, Itália, França e Áustria entendem que o mercado pode prejudicar os agricultores e pecuaristas de seus países, além de não deixar claro os seus métodos e processos de produção.
A nação do tiramisú, inclusive, acaba de ser a pioneira em aprovar uma lei que proíbe a fabricação, venda e importação de carne cultivada, além do uso “carne” na embalagem dos produtos. E não parou aí. Proibiu também o uso de farinhas derivadas de insetos, como grilos e gafanhotos, no preparo de massas e pizzas. Dizem os comedores de croissant que estudam fazer o mesmo em relação à carne.
Já a delegação dinamarquesa parece ter sido picada pelo mosquitinho do Partido Novo. Os nórdicos não veem razão pra impedir o desenvolvimento da carne de astronauta e acham que quem deve decidir se come ou não come é o consumidor. Não é maravilhoso? É isso mesmo que você leu: cientistas e governos não conseguem concluir do que se trata exatamente essa joça, mas a gente, que vai ganhar uma macetada de marketing e pouquíssima informação sobre o preparo, deve ser capaz de escolher. Como não amar os liberais? risos.
Mas antes de continuar, deixa eu retomar do que a gente tá falando exatamente:
As carnes cultivadas são o carro-chefe da “agricultura celular”. O nome já diz: é a forma de produzir uma massaroca comestível a partir de células de animais. As empresas extraem células-tronco de bichos vivos ou não (lembra da almôndega de mamute extinto?), armazenam numa salinha com ar condicionado e vão cultivando com nutrientes + aditivos químicos até chegar no produto final desejado: hambúrguer, filé de frango, marisco, laticínios, etc. Tem empresa que usa ingredientes de origem animal nesse processo, como sangue de fetos de boi, outras juram que não. Mas me parece que o mais importante de tudo aqui não é debater se esses produtos são aptos para pessoas veganas, mas se realmente são COMIDA. Nessa reunião de colonizadores em Bruxelas, rolou até a sugestão de enquadrar as carnes de laboratório como medicamentos, para que sigam uma legislação mais rigorosa.
Mas é isso, né? Minha suspeita é que a porteira foi aberta de vez e esse mercado vai bombar logo mais, do mesmo jeitinho fofo do dos créditos de carbono. Afinal, estamos na era do capitalismo verde e suas soluções inovadoras e revolucionárias para enfrentar as mudanças climáticas. risos. risos. risos. risos. risos.
E, assim, posso estar doida, mas tenho notado umas coincidências com a situação dos agrotóxicos e transgênicos de uns anos atrás. Olha só. Diante dos entraves em terras próprias, empresas europeias já partiram pro lobby nas agências reguladoras de países asiáticos, como a francesa Vital Meat, que espera vender seu franguinho de ar condicionado nos supermercados de Singapura. E olha que Singapura nem é um país ferrado, né?
De fato, os países do bloco europeu são muito dependentes da pecuária latino-americana. E também tão cientes dos impactos do “acopalipse” climático pra produção global de alimentos. Então eu arriscaria que eles vão dar um jeito, sem dúvida, de engolir essas carnes de laboratório em algum momento. Mas antes, desconfio que podem se beneficiar do fato de que países do sul global têm legislações mais permissivas pra tudo (quando tem) por conta de séculos de exploração. Então tirando os Estados Unidos, que amam ser trouxas, e Israel, que se aproveita do veganwashig pra esconder suas atrocidades, quem deve ser cobaia das carnes de laboratório somos nós aqui do lado de baixo do mundo.
Enfim, esse é um tema que dá muito pano pra manga e se desenrola em muitos outros. Quem nos garante, por exemplo, que não vamos abrir outro precedente de manipular ainda mais os bichos de criação pra que forneçam células-tronco mais favoráveis? O capitalismo já nos presenteou com campeonatos de vacas leiteiras, o chester do natal, com o salmão de cativeiro forçado a mudar de sexo, a tilápia transgênica….
📝Pra aprofundar: ótima reportagem sobre carnes do futuro da argentina Soledad Barruti.
🔥Pra questionar: uma empresa de Israel tá tentando produzir carne cultivada no espaço.
👀Pra ficar de olho: A Coreia do Sul acaba de lançar um plano nacional pra estimular a indústria de alternativas à carne.
🔎Pra investigar: essa empresa chinesa diz que vai oferecer a primeira carne vegetal livre de aditivos químicos, à base de amendoim.
🎉Pra comemorar (no meu caso hahaha): 49% das pessoas veganas entrevistadas pra essa pesquisa no Reino Unido não querem produtos que imitam carne e seus derivados.
Tá complicado pro agro
Menos chuvas, menos grãos e mais prejuízos
O Brasil e o mundo já colecionam estudos que apontam que ultraprocessados prejudicam a saúde, que ingerir colágeno só faz o xixi ficar caro e que derrubar florestas reduz os volumes de chuva. Mas, pela primeira vez, temos uma pesquisa que quantificou isso e conseguiu separar o desmatamento de outras condições que também vêm afetando o comportamento do clima, como o aquecimento global e fenômenos naturais, como El Niño e La Niña.
Ééééé, gata. Pesquisadores do Centro de Sensoriamento Remoto da Universidade Federal de Minas Gerais concluíram que as regiões brasileiras que mais perderam floresta tiveram um atraso de 76 dias no início da estação chuvosa agrícola. Esses mesmos locais sofreram uma redução de 360 milímetros nas chuvas e um aumento de 2,5 graus celsius na temperatura máxima. Tudo isso no período entre 1999 e 2019.
Mas é sabido por geral, também, que os ruralistas costumam apresentar o DNA do negacionismo e vão elencar outras razões pra justificar o atraso dos seus plantios e as perdas de suas safras, que já são evidentes. Segundo a Cogo Inteligência em Agronegócio, o Brasil deve perder 28,7 milhões de toneladas de soja e milho na safra 2023/2024 por conta da falta de chuvas, o que representa R$ 41 bilhões perdidos. Não é pouca coisa nem pro Blairo Maggi, hein?
Ou seja, os ruralistas não estão em polvorosa apenas porque o barbudinho ganhou a eleição, o golpe que eles apoiaram não deu certo e a novela Terra e Paixão acabou. A conta da devastação ambiental e do genocídio indígena já chegou faz tempo. E assim que o legislativo retomou seus trabalhos, em 2 de fevereiro, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), a nossa abençoada bancada ruralista, já começou a mexer os pauzinhos, o que inclui tentar ampliar o Seguro Rural para ajudar produtores que tiveram perdas nas suas safras. Mas você sabe que a Tia Sônia que não tem grana nem pra consertar a caminhonete que leva as verduras pro Ceasa não vai ser contemplada nessa, né?
No ano passado, os pedidos de recuperação judicial por produtores rurais aumentaram 300%. E olha que curioso, venener. Os pedidos se concentraram na região centro-oeste, em lavouras de soja e criação de boi. Coincidentemente, os relatórios do IPCC também já apontavam que a estiagem no Cerrado ficaria mais intensa ano após ano e o desmatamento na Amazônia aceleraria esse processo ainda mais. Mas isso é papo de ambientalista-comunista-contra a família-que tem fetiche por catástrofe, né?
Na verdade, a gente precisa lembrar que tem mais caroço nesse angu: as perdas nas plantações também se devem a outros fatores relacionados ao nosso modelo de agricultura atual, muito dependente de fertilizantes químicos e agrotóxicos, cujos preços dispararam com a guerra da Ucrânia.
Então é isso, venener. Este ano de 2024 deve ser de mais calor, menos chuvas em algumas regiões, mais enchentes em outras e mais dinheiro público nas mãos de grandes fazendeiros do centro-oeste que insistem nesse sistema falido, devastador e cafona de plantar, mas que precisam ser recompensados por suas perdas.
📝 Pra aprofundar: dossiê do portal Diálogo Chino sobre o “agrosuicídio” de produtores de soja na Amazônia, que já sofrem com a falta de chuvas, e este episódio do podcast Tempo Quente sobre negacionismo climático.
🍃SEGURA O CÉU!
[Este é o novo quadro do Jornal do Veneno, que vai trazer iniciativas ecológicas e interessantes para macetar o “acopalipse”. O nome do quadro é inspirado no livro “A queda do céu”, escrito pelo antropólogo Bruce Albert e pela liderança yanomami Davi Kopenawa. Os yanomami entendem que a ganância capitalista dos brancos vai derrubar o céu, ou seja, destruir a vida humana na Terra.]
A cidade colombiana de Yumbo tem 111 mil habitantes, diversas fábricas de alimentos, cosméticos e materiais de construção, e 4 de cada 10 de seus habitantes vivem na faixa de pobreza. Como é comum entre os municípios latinos, Yumbo não apresenta cobertura suficiente de água potável e saneamento básico. E ainda tem um desafio extra: pesquisadores da Universidad del Valle descobriram que a poluição causada pelas fábricas tem aumentado a temperatura média da cidade em cinco graus.
Ao se dar conta disso e preocupados com os próximos anos de aquecimento mais intenso, os moradores do bairro de Panorama se uniram e criaram um Conselho de Ação Comunitária. Primeiro, a entidade trabalhou pra ampliar os serviços básicos na região, como o fornecimento de água. Depois, se transformou numa fundação de conservação ambiental focada no reflorestamento do morro La Estancia.
A iniciativa foi um sucesso no começo, mas a falta de políticas de moradia no entorno fez com que famílias de baixa renda ocupassem o morro e derrubassem a vegetação reflorestada pra construir casas. Mesmo assim, o grupo não parou. E conseguiu verba da Secretaria Municipal de Planejamento pra começar uma série de hortas e jardins comunitários.
Já no bairro Las Américas, são as enchentes cada vez mais frequentes que uniram os moradores a professores da Universidad del Valle pra pensar num sistema de drenagem urbana de baixo custo e de filtragem de água da chuva. A parte mais emocionante vem agora: os habitantes desse bairro não só arrasaram nesse sistema de drenagem, que reduziu os riscos de inundações, como passaram a fornecer irrigação pras hortas e jardins comunitários do outro bairro, o Panorama. Agora imagina o potencial desse projeto se fosse uma política públicaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa!
🪴Aqui você pode ler os detalhes dos projetos.
Por hoje é só. Eu sei que agora você não pode mais ouvir o Jornal do Veneno enquanto lava a louça, molha as plantas ou derrete na academia. Mas querer não é poder, né? hahahahaha
Pensa que aqui na news você tem chance de assimilar melhor os conteúdos porque não tem como ler e se ater a outra coisa ao mesmo tempo. Então te organiza pra criar uma rotina de leitura semanal na companhia de um cafezinho, um chá, um chocolate. Tá bem?
Obrigada pela parceria de sempre, um beijo e te espero na semana que vem,
Juliana.
Tenho comentários, mas melhor guardar pro nosso clubinho no Telegram. :-)
Amando essa versão escrita! Parabéns e vida longa ao Jornal que não deveria existir, mas que enquanto o agro for pop e a temperatura do planeta seguir subindo pela ganância estúpida do bicho homem, vai continuar existindo pra você seguir nos enchendo de ótimas informações