Olá, venener do meu coração. Bom sábado pra nós e feliz páscoa pra quem é de páscoa! Eu não sou católica, mas acho muito fofa uma tradição dessa época beeem comum nos interiores das minhas bandas sulistas. Pequenos agricultores e simpatizantes das ervas levantam da cama antes do sol raiar na sexta-feira santa pra colher as flores de macela, também chamada de marcela do campo ou alecrim de parede.
Diz a crença popular que as flores colhidas nesse dia e ainda no escuro têm as propriedades medicinais mais afloradas, como o alívio da má digestão, de cólicas e dores de cabeça. E a partir de agora a gente encontra macela nas feiras, empórios, mercados e banquinhas de ambulantes. Como ela é bem mais robusta que a erva doce ou camomila, ainda é super usada pra rechear travesseiros aromáticos. Eu amo!
Todo ano compro as minhas, mas tenho dó de fazer o chá porque são bonitas demais e duram uma eternidade sequinhas assim. Esse buquê é da páscoa passada.
Mas lembra: planta medicinal é coisa séria e exige muitos cuidados, pesquisa e precauções. Não utilize sem consultar quem entenda de fato, seja uma benzedeira da sua cidade ou materiais produzidos por cientistas e unidades de saúde, beleza? Eu costumo consultar esse banco de plantas do horto da Federal de SC. Mesmo se você for de Rondônia ou Brasília, vai encontrar ali plantinhas comuns em todo o Brasil, como o louro. E meu sonho é visitar o projeto Farmácia Viva, da Universidade Federal do Ceará, que é referência no país.
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Vinda do presidente francês pode cortar as asinhas do agronegócio brasileiro
Na sua primeira visita à América Latina, Emmanuel Macron escolheu a Amazônia pra desembarcar primeiro, onde foi recebido pelo parça Luiz Inácio + uma comitiva animada em Belém. Tudo isso rolou na última terça-feira e com direito a passeio pelo rio Guamá, chocolate fresco, presentes do detestável governador do Pará, muitos sorrisos, homenagem ao cacique Raoni e promessas de cooperação. O chefe da terra do croissant ainda voltará ao Brasil pra reunião do G20, em novembro, e pra COP30, no ano que vem.
A última vez que um presidente da França pisou no país da mandioca foi na abertura dos Jogos Olímpicos do Rio, em 2016. Esse hiato não é obra do acaso, tendo em vista a empreitada do vampiro golpista sucedida pela eleição do ladrão de joias, né? É claro que o país com uma das polícias mais truculentas do mundo não pode se dizer um guardião da democracia, mas pelo menos eles têm um apreço pela estética, pelo bom gosto, né? Macron também não escolheu qualquer momento para dar as caras no Brasil.
Em tempos de apocalipse climático, a maioria dos líderes globais que não fez propaganda de cloroquina almeja passear na floresta amazônica e assinar papéis que incluem a palavra “sustentabilidade”. Especialmente alguém que conta com o pior momento do seu governo e uma taxa de aprovação abaixo dos 30%, como é o caso do Macron.
O comandante europeu e o marido da Janja têm diversos pontos em comum, inclusive. Os dois disputaram eleições apertadas contra candidatos da extrema-direita e prometeram governar unindo todas as correntes ideológicas, risos. Macron e Lula também amam se vender como bastiões da democracia, enquanto um proíbe protestos em favor da Palestina e o outro veta homenagens às vítimas e manifestações críticas aos 60 anos da ditadura militar. INDEFENSÁVEL.
Por último, ambos também são cobrados por ações mais concretas pra frear o desmatamento, mesmo que em posições diferentes. Nesse quesito, Lula é pressionado pra vigiar e punir a prática, enquanto o gringo poderia boicotar a compra de produtos sob essas condições, além de exigir um maior controle da cadeia de produção das commodities agrícolas importadas. Vale lembrar que o Brasil vende pra França basicamente: farelo de soja (pra alimentar bichinhos que virarão foie gras), ferro, café, soja em grãos, frango.
Depois da imersão no Pará, o comedor de ratatouille também abraçou cariocas, tomou café com faria limers e participou de cerimônias e reuniões em Brasília, com direito a encontro com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. Mas apesar de se rasgar por Lula, e do clima de núpcias entre eles, me parece que Macron veio pra cá pra deixar claro que a França vai continuar empatando o acordo de livre comércio entre Mercosul (formado por Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai, e Bolívia) e a União Europeia.
Até o momento funciona assim: a gente paga uma tarifa de 9% em imposto pra vender café solúvel pra Europa, por exemplo. Enquanto a Colômbia já exporta café sem pagar tarifa nenhuma pros europeus por meio de acordos.
Segundo a Confederação Nacional da Indústria, cerca de 6.600 produtos brasileiros entrariam na Europa sem pagar as taxas de exportação e 95% de todos os bens industriais teriam imposto de importação zerado em até dez anos se o acordo entrasse em vigor. E aí eu não consigo pensar em outra coisa que não seja: SERÁ QUE TERÍAMOS UMA REDUÇÃO NO PREÇO DO AZEITE? Rindo de nervoso.
O acordo interessa aos dois blocos: Brasil e vizinhos têm economias muito dependentes da China e a Europa produz pouquíssimas commodities porque colonizou uma parte do mundo pra ser servida, né? Aí agora precisa diversificar suas fontes de compras pra correr menos riscos em momentos de crise, especialmente em tempos de mudanças climáticas.
Esse lenga lenga tá rolando desde 1999. Em 2019, o texto do acordo foi quase todo fechado, mas ainda falta muito pra ser carimbado com a benção de todos os envolvidos. Assim que assumiu a presidência, o senhor Luiz Inácio prometeu que essa assinatura seria uma das prioridades do seu governo ainda no começo, o que foi comemorado pelos tios do agronegócio, veja só hahaha, mas a conjuntura e a visita de Macron ao Brasil dão pistas de que a coisa vai melar mesmo.
O primeiro indício veio de uma lei que esbarra nas cláusulas do acordo. Em 2022, o bloco dos colonizadores aprovou um decreto que proíbe a entrada de produtos ligados a desmatamento, como a soja e a carne brasileiras. As especificações do documento devem sair nesse ano e tudo começa a valer em 2025.
É exatamente nesse ponto que reside o entrave entre os blocos. Os agricultores europeus precisam se adequar a leis ambientais mais rígidas que as sul-americanas, o que inclui várias restrições ao uso de agrotóxicos, e outros pontos que encarecem a produção. Então, segundo eles, tornaria a concorrência desleal.
Nos últimos meses, os produtores rurais da França, Alemanha, Itália, Bélgica, Polônia, Romênia e Lituânia têm intensificado a pressão contra o acordo. São inúmeras as manifestações pra evitar a importação de produtos agrícolas mais baratos. Um dos protestos mais intensos aconteceu justamente na terra do Macron, com agricultores bloqueando rodovias em Paris no ano passado e em janeiro desse ano.
Tem mais 2 pontos que revoltam os reis do agro na França neste momento. Assim como os nossos, eles tão indignados com o aumento no preço dos fertilizantes por conta da guerra entre Rússia e Ucrânia. E com o anúncio de restrições ao uso de agrotóxicos, coisa que o governo desistiu de fazer. Vale uma observação aqui: a terra de Edith Piaf tem uma das legislações mais rigorosas contra o uso de venenos na agricultura. Beeeem mais exigente que Itália, Portugal e Espanha, por exemplo.
Por conta disso tudo e pra evitar mais uma queda na sua popularidade, o estadista francês vem gritando aos quatro ventos que a Comissão Europeia deve desistir do acordo com o Mercosul. Questionado sobre o assunto nesta semana, em São Paulo, o defensor da manteiga manteve o tom:
"Tomei uma posição que não tem nada a ver com acordo bilateral, e sim de princípios, e tem a ver com o que o Brasil vai defender no G20 [em novembro] e na COP de Belém [em 2025]. Esse acordo foi feito há 20 anos, mas agora estamos fazendo um esforço de retirar o carbono de nossas economias e vamos abrir o mercado para produtos que não respeitam esses acordos? Seríamos loucos"
Na verdade, Macron mudou um pouco o discurso em solo brasileiro. Em vez de defender o fim do tratado de livre comércio, sugeriu que ele seja escrito do zero, incluindo maiores exigências ambientais. Nosso barbudinho, que anda empoderado em relação a líderes de países poderosos, respondeu mil vezes que isso não vai rolar (conhece bem os seus ruralistas, né) e que o acordo pode ser aprovado sem a França querer. Tio Haddad, ministro da fazenda, pontuou que se o Brasil esperou 900 mil anos pra escrever uma nova reforma tributária, mas conseguiu, também vai dar conta de fazer esse acordo sair. Ai, como é otimista! hahaha
Mais ultraprocessados
Estudo traz razões que levam periferias a ter menos acesso a alimentos frescos
Pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) acabaram de publicar uma pesquisa que mostra mais evidências pra algo que a gente já sabe: moradores de periferias enfrentam mais obstáculos pra ter saúde.
Coordenado pelo Grupo de Estudos, Pesquisas e Práticas em Ambiente Alimentar e Saúde da UFMG, a pesquisa entrevistou uma população minúscula, dez pessoas, mas o objetivo era coletar dados qualitativos mesmo, ouvir o grupo.
Antes de qualquer coisa, cabe observar que periferias sempre precisam ser ditas no plural porque tão muito longe de serem homogêneas, especialmente num país tão diverso e de dimensões continentais. Se a gente pensar só na questão geográfica, eu poderia dizer que moro num bairro periférico em relação ao centro de Florianópolis. Mas o meu entorno não tem as características comuns às periferias quando o assunto é o apartheid brasileiro, conceito citado brilhantemente pelo Chavoso da USP nesse vídeo.
As periferias a que o estudo da UFMG se refere são essas que atendem aos critérios citados pelo Chavoso, onde existem muitas pessoas com restrições de renda, que engrossam as estatísticas do subemprego, são em sua maioria pretas e pardas, e não encontram alimentos frescos com facilidade. Em geral, apenas nos supermercados.
Mas o que eu achei mais interessante no estudo da UFMG foram algumas respostas dos entrevistados, que levantam questões que não costumam aparecer em pesquisas da área da nutrição.
Eu, pelo menos, nunca tinha lido ninguém associar o estresse gerado pela violência local com a opção por substâncias comestíveis, como um dos participantes cita. E adorei os entrevistados falando da preocupação em consumir alimentos orgânicos. Teve gente que citou até a expressão “agroquímicos”.
A população da pesquisa também parece entender que alimentos ultraprocessados são esses pacotes prontos cheios de ingredientes sintéticos, como nuggets. Ainda tem muita confusão, né? É comum que até jornais ilustrem reportagens sobre o tema com batata frita e pizza, que não são bons exemplos porque existem as versões caseiras ou produzidas com bons ingredientes por restaurantes.
Por outro lado, o que mais me chamou atenção nas entrevistas foi o depoimento abaixo. A pergunta dos pesquisadores era sobre o acesso a alimentos produzidos em hortas comunitárias ou em quintais de vizinhos.
“Então assim o poder paralelo tem certo domínio sobre essa parte, então eles não deixam os militantes chegar próximo nem fazer os movimentos com a horta, mas o que a gente via é que ela funcionava assim muito bem, só não era muito de acesso pra qualquer pessoa não, era um pouco restrito, então acho que era por isso inclusive que a gente não podia chegar perto, mas quando eu passava assim pertinho, assim só pra dar uma olhada de curiosidade só pra ver, encontrar alguém ali mexendo pra poder conversar e tentar fazer uma ponte com Manguinhos solidário que era do próprio território e tal ai sempre os avisos era sempre cara deixa isso quieto, não mexe, fica tranquilo ai de boinha, “pô mas saiu no jornal”, não, fica tranquilo, deixa isso quieto, deixa isso pra lá, depois a gente conversa melhor sobre, mas aí era muito isso, tinha até girassol plantado no lugar, uma coisa grande, entendeu? Bonita”

Bizarro, hein, venener? Bem no momento em que a gente acompanha a investigação do caso Marielle alcançar a questão fundiária, temos um dado de uma pesquisa que grita: não adianta termos nem hortas comunitárias enquanto milícias e facções apoiadas pelo estado controlarem territórios!!!!!!!!! Segurança pública é um tema que atravessa tudo, né? Inclusive alimentação e saúde.
📝 Pra aprofundar: a reportagem impecável do New York Times sobre como Nestlé e amigas se alastram e adoecem as periferias brasileiras.
😹CHORO CURTO, MAS RIO COMPRIDO
[Esse é mais um quadro novo do Jornal do Veneno, que vai trazer novidades dignas de choro de tristeza, mas que de tão bizarras fazem o riso sobressair. O nome é inspirado num bloco de carnaval sediado no bairro Rio Comprido, Rio de Janeiro, onde eu e o conje moramos por uns anos]
Imagine todas as edições do quadro “Me engana que eu como” somadas. As campanhas de marketing enganosas, os falsos saudáveis, as armadilhas pra confundir as pessoas, as modinhas furadas, as pesquisas enviesadas.
Pois é, venener. Temos uma empresa reunindo tão bem esse combo que a coisa não cabe mais no “Me engana que eu como”. Aí fui obrigada a invocar o bloco mais debochado do Jornal do Veneno. Você já sabe: a gente começa chorando em posição fetal de tanto desespero, mas termina numa crise de riso estratosférica porque beira tão ao ridículo que sou capaz de comer por curiosidade hahahaha.
O lugar perfeito pro encontrinho da comunidade Comider existe. Pena que, por enquanto, com unidades apenas em São Paulo e Fortaleza. Mas os planos dos sócios são ousados: mais de 500 franquias até 2028, número capaz de passar o Habibs e o Subway.
Não estamos falando de uma rede de fast food como outra qualquer. Trata-se de uma rede de fast good. Atente às vantagens:
🍃Todos os lanches são “à base de plantas” e seguem a pegada de imitação: “hambúrguer de peixe vegano”, “nuggets de frango vegano”;
🍃Todas as bebidas são sem açúcar, logo, com adoçantes.
🍃Todos os sorvetes e milkshakes levam suplemento de proteína em pó e informam a quantidade do nutriente no menu;
🍃As proteínas vegetais dos lanches são da marca Incrível!, da JBS;
🍃A maionese é a hellmanns vegana, da Unilever;
🍃A empresa se vende como carbono neutro e salvadora do planeta;
🍃O idealizador é um ex chefão da Nestlé;
🍃As lojas seguem o modelo revolucionário das grandes redes de fast food, conhecidas pelas ótimas condições de trabalho;
🍃A comunicação da marca é toda focada em terrorismo alimentar e promessas milagrosas de superalimentos;
🍃A princípio, todos os itens do cardápio têm aquele cheirinho maroto de produto ultraprocessado;
🍃Trata-se de mais uma empresa de alimentos focada nesse produto maravilhoso, raiz, hino da nossa cultura alimentar: o hambúrguer.
🍃A rainha dos baixinhos, a nossa vegana mais famosa, que gostaria de testar cosméticos em pessoas em privação de liberdade, é a garota propaganda da marca, além de ter 6% de participação nos lucros. Na verdade, a Bloom já existia antes da Xuxa, mas na hora de propor a parceria, a mãe da Sasha pediu que um X fosse adicionado ao nome da rede.
Fechamos por hoje?
Por favor, ingira muitas calorias vazias em forma de chocolate neste fim de semana desde que não sejam oriundas daquela empresa diabólica hahahaha.
Se você pertencer ao grupo de apoiadores do Substack, no Catarse ou Orelo, ainda vai me encontrar neste domingo nas Colheradas de Março. Ansiosaaaaaaa! Tenho muita bobagem pra falar e dica esperta pra essa edição hahaha.
Obrigada pelo apoio de sempre e um beijo,
Juliana.
Ju sua escrita é maravilhosa! Cada mês o jornal do veneno fica melhor! Obrigada pelas dicas, especialmente o horto didático da UFSC e a reportagem do New York Times!
Tem taaantas coisas que eu gosto dessa newsletter. Hoje, vou dizer duas: 1) a variedade de formas que você encontra para definir alguém, como: o marido da Janja e o comedor de ratatouille; 2) que eu leio com os olhos, mas o narrador no meu cérebro é simplesmente a sua voz, venener! :) bom sábado para nós!