Refrigerantes e Demi Moore #81
No novo capítulo da reforma tributária, indústria sente um gostinho de derrota
Olá, venener! Bom sábado pra você. Entramos no mês de julho, hein? Também conhecido por ser o melhor do ano pois esta que vos fala faz aniversário hahahaha. Eu amo esse clima de início de novo ciclo. Amo ficar mais velha até o momento. Não tem colágeno que compense as inseguranças da juventude.
Aproveito a época de aniversário pra fazer uma listinha de coisas pra me mimar, de comidas perfeitas a livros novos. Quando vi que o restaurante Porongo tá com uma maniçoba de vegetais no cardápio, cometi uma ida às pressas pra conhecer a iguaria nortista.
Não tenho a menor referência de sabor desse cozido das folhas de mandioca, que precisa de sete dias de fogo. E já aproveitei pra lambuzar postas de abobrinha frita num caldo de açaí juçara com farinha na mesma refeição. Um escândalo. Um alento. Um presente das mãos da chef paraense Hannah Fontel.
Que delícia é reverenciar a nossa terra e perceber que várias de suas tradições culinárias continuam firmes apesar de pacotes, venenos, cápsulas, capitalismos… Enquanto tiver farinha na mesa, a gente respira. :)
Boa leitura!
Avisos: Tô acompanhando o que os influencers do agro e as associações do setor andam falando sobre as queimadas do Pantanal. Vem aí. E por enquanto não vou dar um pio a respeito do novo Plano Safra lançado nesta semana, aquele plano do governo pra financiar a agricultura, porque preciso escolher as batalhas. Mas vamo combinar que esposo da Janja anda mais indefensável do que nunca, hein?
🌎 GIRO DE NOTÍCIAS
Entidades e associações empresariais jogam sujo, mas bebidas adoçadas devem ganhar imposto extra
Estava eu em mais um dia de leitura de notícias no site da Folha de S. Paulo quando me deparo com um anúncio estranho sobre o açúcar. Abro um texto sobre gripe aviária e encontro a mesma propaganda. Clico em outra reportagem sobre um estudo que associa o uso de Ozempic a distúrbios nos olhos e lá está ele, o mesmo quadradinho.
Pelas informações gerais dá pra extrair alguma relação com a nova reforma tributária que avança no congresso, mas o nome da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) não fazia o menor sentido pra mim ali. Fui obrigada a clicar no anúncio que leva a um “manifesto” e vou te conduzir nessa jornada de interpretação de texto comigo.
O governo, em busca insaciável por recursos, nos apresenta um paradoxo açucarado. O açúcar, aquele que adoça nossos cafés e bolos, é tratado como um inofensivo alimento da cesta básica, isento de imposto. Mas espere... quando esse mesmo açúcar se dissolve em uma bebida, magicamente se revela um supervilão: um produto prejudicial à saúde, digno de impostos extras, o imposto do pecado.
Pronto! Desvendado o motivo da choradeira mercadológica. Tem gente bravinha com o tio Haddad e colegas do Ministério da Fazenda porque eles mandaram pro congresso uma proposta de reforma tributária com essa novidade: a inclusão das bebidas adoçadas na listinha de produtos enquadrados como nocivos, ou seja, que devem receber um imposto extra, chamado de imposto seletivo. Muita gente tem preferido a expressão “imposto do pecado”, que já contém um tom de sarcasmo. Vamo combinar.
Não existe nenhuma contradição nessa prerrogativa. O pacote de açúcar pertence à lista de produtos da cesta básica, isentos de imposto, porque se trata de um ingrediente culinário, um insumo básico pra preparar e temperar a comida, da mesma forma que óleos e sal. Ninguém tá incentivando o povo a substituir o feijão pelo subproduto da cana ou despejar toneladas na boca desenfreadamente.
Trata-se apenas de reconhecer que ele integra várias receitas tradicionais da culinária brasileira. E mundial. Diversas culturas alimentares onde o hábito do doce é mais fraco que o nosso, como no Camboja e Vietnã, usam o açúcar pra alimentar as bactérias da fermentação, pra realçar sabor, temperar ou pra reduzir a acidez das preparações culinárias.
Os refrigerantes, néctares, chás gelados, bebidas de soja e achocolatados pertencem a outro debate. Agora a gente tá falando dos líquidos ultraprocessados, as “bebidas do progresso”, cujos problemas não se relacionam apenas às quantidades colossais de açúcar.
O Brasil ostenta a marca absurda de 80 mil casos por ano e 1,4 milhão de pessoas com diabetes tipo 2 por conta do alto consumo desse tipo de produto, não porque todos comemos muita geleia caseira de laranja no café da manhã.
Forjar uma contradição sobre a postura que o governo assume em relação ao açúcar é um joguinho muito baixo das associações empresariais que representam a indústria de alimentos e bebidas. No fundo, o desespero tem fundamento, né? Já que aplicar um imposto extra nas bebidas adoçadas deve aumentar o preço e reduzir o consumo, tendência que se espalhou pelos 65 países que adotaram a iniciativa pra combater a epidemia de diabetes, a exemplo de Espanha, Chile, Peru, México, Cingapura e Portugal. O caso do México já foi tratado aqui com detalhes, lembra? Um ano após a terra da Chiquinha aprovar a taxação extra pros refrigerantes, as vendas despencaram 18%.
A América Latina é um grande exemplo de como as bebidas adoçadas se associaram a momentos de prazer e celebrações: aniversários, churrascos, almoços de domingo e festejos no geral não existem sem uma garrafa de refri em cima da mesa. Aliás, tirando as bebidas alcóolicas, o que sobra pra beber numa festa? Num bar? Numa janta entre amigos? Ou é refrigerante ou alguma caixa de suco camuflado de saudável com 3% de fruta.
Toda vez que entro no cinema me vem uma vontade avassaladora de comprar um guaraná pra acompanhar a pipoca. Eu que sou eu, uma pessoa que trabalha pesquisando essas safadices da indústria. Eles tavam lá nas grandes celebrações da minha vida. É muito difícil escapar.
Tirando a enxurrada de propaganda, tem o frescor do gás, o gosto doce capaz de levantar defunto, mais os aromas e aditivos cuidadosamente elaborados pra estimular nossas papilas gustativas. Ou seja, é uma bomba de estímulos disponível a qualquer hora em qualquer lugar. Dá pra pedir por delivery. Dá pra comprar uma mini garrafinha que cabe na bolsa. Se levar o fardinho de 12 unidades, ganha desconto.
Aí é lógico que as pessoas vão se posicionar contra o imposto extra pros consagrados, como apontam as pesquisas encomendadas pela indústria de alimentos. Por outro lado, existe a ciência, que aponta pra relação entre o consumo desses produtos e o desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis, e os governos, que servem pra criar políticas públicas que protejam as pessoas, o meio ambiente, a cultura alimentar. Esse combo de impostos extras + limitação da publicidade costuma causam um bom impacto. A gente viveu isso com a questão do cigarro, né?
Um estudo da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) investigou quanto a taxação de bebidas adoçadas poderia impactar o Sistema Único de Saúde, sufocado pelo Teto de Gastos do vampiro golpista e agora pelo Arcabouço Fiscal do esposo da Janja. São os impropérios que limitam os gastos públicos na área social.
Se a taxação for com uma alíquota de 20%, seriam R$4,7 bilhões anuais disponíveis pro SUS e redução de 24% no consumo de bebidas achocolatadas!!!! Se subir pra 50%, a arrecadação ficaria em torno de R$7 bilhões. Esse segundo cenário poderia significar 89 mil profissionais de saúde contratados pra hospitais, postos de saúde, projetos de pesquisa, institutos, pra órgãos como a Anvisa.
O mesmo estudo calculou como ficaria o consumo de água, leite, chás, café, água de coco e suco realmente naturais se eles recebessem isenção de imposto ao mesmo tempo em que as bebidas açucaradas pagassem mais. No exemplo da alíquota de 20% pros refrigerantes, as vendas de água aumentariam 21% e de sucos, 15%.
Prepare-se pra esses números, venener. A bebida mais popular aqui na terra da mandioca não é o shot da imunidade hahahaha, mas o leite de vaca, que representa 39% do consumo de líquidos não alcóolicos. Depois vem o elixir do capitalismo, o café (26%), seguido da família tóxica da fanta uva (21%). A água ocupa o sexto lugar segundo a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do IBGE referente ao biênio 2017-18.
De volta ao manifesto publicitário da Abrasel, outro trecho chamou minha atenção pelo descaramento e também por se tratar de uma apelaçãozinha já bem conhecida nossa:
É como se o açúcar tivesse uma identidade secreta: Clark Kent na despensa e... Lex Luthor no copo! Ops, não era para ser o Super-Homem? E o governo, em vez de combater com iniciativas educativas os verdadeiros vilões - o consumo excessivo de calorias e o sedentarismo -, decide apertar o cinto do refrigerante e sucos adoçados. Uma medida que parece mais um truque de mágica do que uma estratégia eficaz, uma enganação.
Faz mais de dez anos que a Coca patrocina pesquisas científicas e distorce a interpretação de seus resultados com esse objetivo: bagunçar as evidências, influenciar políticas públicas, persuadir profissionais da saúde.
A tese defendida pelas vozes dos cabeças da empresa é que as doenças crônicas não transmissíveis não têm relação com o que a gente ingere, apenas com uma rotina escassa de atividades físicas.
Falando nisso, será que vem aí a coca zero com uma tonelada de cafeína, whey e creatina? #ansiosa #maromba #vamoficargigante #forçafocoefé #focada #vidafitness #hipertrofia.
Enfim, já detalhei essa arapuca no episódio #50 do finado podcast do Jornal do Veneno. Pra mim, ela completa a lista das maiores armadilhas marqueteiras de todos os tempos. E das mais bem sucedidas. Tá no mesmo pódio da margarina, que faz bem pro coração, do danoninho que vale por um bifinho e do leito materno “fraco”.
Esperaria um manifesto com esse tipo de argumento da associação de refrigerantes, da associação da indústria de alimentos, do Partido Novo, risos, do Conselho Federal de Medicina (que passou paninho pro uso de cloroquina contra covid). Mas não da entidade que representa os bares e restaurantes. Nem lembro de já ter visto a Abrasel se manifestar politicamente desse jeito. Decidi, então, me inteirar de suas estratégias de comunicação nas redes sociais. E aí tudo fez sentido!
Claro! A venda de bebidas representa uma parcela expressiva dos lucros de baladas, bares, lanchonetes, estádios, eventos, restaurantes, casas de show, quitandas, empórios, padarias, barraquinhas de comida e afins. Se o texto da reforma tributária apresentada pelo governo for aprovada do jeito que tá, os refrigerantes vão pagar mais imposto, o que deve ser embutido no preço pro consumidor e impactar as vendas dessa galera do comércio.
Só tenho dois pontos a comentar nesse sentido. Antes de tudo, tem muito estabelecimento que já cobra um preço absurdo por uma bebida e quase sempre são aqueles que tão muito bem das pernas. Entendemos que o valor não pode ser o mesmo do supermercado e das distribuidoras, justíssimo, mas R$10 numa água com gás, amigos? Que reduzam a margem de lucro (não tô falando de você, microempresária que conta as moedas pra fechar o caixa)!!!!
Os representantes dos bares deviam tá do outro lado, do nosso, pra justamente poder oferecer produtos de mais qualidade, que não adoeçam as pessoas, que não explorem animais, pra que os alimentos não recebam veneno no campo, pra que toda a cadeia de produção seja mais justa, ética e sustentável.
Se as vendas de ultraprocessados caírem, a responsabilidade primordial é de quem os fabrica, não? Essencialmente dessas multinacionais que despejam toneladas de açúcar acompanhadas de artifícios químicos nos países do sul global e versões menos radioativas nos países abastados. Sempre gosto de lembrar o exemplo da fanta laranja, que é menos doce e não tem corante na Alemanha.
A boa notícia é que o jogo sujo das associações não repercutiu como esperado. Na última quinta, dia 4, o comitê de regulamentação da reforma tributária na Câmara dos Deputados, formado por sete parlamentares, apresentou seu texto final. Agrotóxicos e armas ficaram de fora, que ódio, mas olhe só quem permanece firme na listinha do imposto seletivo, ainda sem alíquota definida:
🔸veículos (incluindo carros elétricos);
🔸embarcações e aeronaves;
🔸bens minerais extraídos;
🔸jogos de aposta;
🔸produtos fumígenos (turma do cigarro);
🔸bebidas alcoólicas;
🔸refrigerantes (seus colegas açucarados escaparam, como toddynho, mate, leite de soja com sabor e sucos artificiais).
O mesmo grupo de deputados discutiu as isenções pros alimentos da cesta básica e excluiu todas as carnes da categoria, apesar da gritaria da bancada ruralista. Como o texto ainda pode sofrer modificações, acredito que pelo mesmo o frango deva entrar pro grupo da alíquota zero. Vamo ver. A situação dos refrigerantes, por outro lado, todo mundo já dá como algo mais consolidado.
O líder do governo na Câmara, deputado José Guimarães (PT-CE), garante que a primeira proposta de regulamentação será aprovada com folga, mais de 400 votos, o que deve acontecer ainda neste mês.
📝 ME ENGANA QUE EU NÃO COMO
Ranço desse assunto. Preguiça. De saco cheeeeio. Mas não dá pra ver um negócio desse passar na minha frente e ignorar. O tópico das dietas sempre merece ser revisitado e problematizado à exaustão pra gente poder somar forças e lutar contra.
A ditadura da magreza nunca foi deposta, sabemos bem, mas o culto aos corpos excessivamente magros não tinha dado uma leve trégua, gente? Eu lembro que todo mundo sonhava com as marcas das saboneteiras embaixo do pescoço na minha adolescência e não vejo mais ninguém mostrar essa preocupação. Mas posso estar dormindo pouco e deixando muita coisa passar hahahaha.
Enfim, o padrão cintura baixa, ossos aparentes e barriga negativa têm despontado mais uma vez entre as figuronas de Hollywood. Mas te faço um convite pra você observar junto comigo. Não se trata de uma tendência mais comum entre a velha guarda? Desconfio que tenha uma relação com etarismo também.
Nesta semana, o jornal La Nación publicou uma reportagem que respingou em vários veículos e publicações de redes sociais brasileiros. O bafo é que a protagonista de Ghost e Striptease vai lançar um filme de terror ainda neste ano e apareceu repaginada.
Por onde eu começo? Risos. É a mesma ladainha que a gente ouve desde os tempos dos incas. Uma celebridade inventou a roda na busca por saúde, beleza e bem estar: restringiu a alimentação e se jogou numa rotina disciplinada de exercícios físicos moderninhos, jornada em que qualquer Silva poderia embarcar.
Até que chegamos nos detalhes, que a matéria cita como se fosse algo bastante corriqueiro, adequado e exemplar.
No café da manhã, Demi come frutas cítricas – adora tangerinas –, pão integral e chá de rosa mosqueta. Seu almoço inclui salada de broto de trigo, repolho branco, pepino e cebola; e o jantar, sopa de abóbora e nozes. Os petiscos são igualmente saudáveis: ameixas, passas e sementes.
Uma pessoa que se alimenta apenas de salada no almoço, de sopa na janta, e limita o consumo de frutas já desenvolveu um transtorno alimentar ou tá no caminho. Não existe alimentação saudável nesse contexto. O que a gente tem de evidência científica mais atual destaca a importância da variedade de alimentos, a sazonalidade, a valorização da cultura alimentar local, do comer com prazer, do comer em grupo.
A atriz sexagenária já teve depressão, inclusive, e acumula diversas internações pra tratar do vício em álcool e outras substâncias. Também já afirmou publicamente que enfrentou transtornos alimentares, que passava fome pra manter o corpo esbelto em alguns papéis no cinema, e mantinha uma péssima relação com os exercícios. Resumindo: a gata pode estar comendo menos por questões emocionais mesmo.
Quer dizer, o jornal pode entrevistar a beldade e citar seu estilo de vida atual, as mudanças na rotina, a escolha dos alimentos quase sempre crus. Mas comete um desserviço giganteeeeeeeeesco ao escolher noticiar tudo isso como um exemplo de bem estar e saúde.
Depois ainda fui direcionada pra outras matérias sobre personalidades brasileiras que apostam na dieta milagrosa de Demi Moore, como Jojo Toddynho, que acaba de lançar seu próprio curso de emagrecimento.
Sem contar o fator milionária. Por mais que Demi tenha atingido sua plenitude emocional e física, vamos supor, a gente sabe que tem muita coisa envolvida pra além de grãos de linhaça e aulas de dança personalizadas, né?
É isso, meu anjo.
Quero fechar com uma indicação. Acabei de ouvir esse episódio sensacional do podcast Ciência Suja sobre a febre dos suplementos. O foco é nas gotinhas e cápsulas pra ajudar a dormir. Imperdível.
Obrigada pela companhia de sempre e até sábado que vem,
Juliana.
Observação: o pix pra pingar um extra é jornaldoveneno@gmail.com.
Babadeira esta edição 🤭
Cadê o pessoal do "mas e a proteína?" que faz da vida de veganes um inferno pra comentar a dieta da atriz?