Olá, venener! Bom sábado pra você (dentro do possível). Pra mim esse começo de maio tá parecendo MUITO aquele início de 2020, sabe? A primeira sensação que me vem é uma preocupação objetiva de tentar entender as coisas, digerir essa avalanche com contexto histórico, estudos, reportagens investigativas, análises de pesquisadores. Ao mesmo tempo, tá difícil de retomar o prumo e fugir do sentimento de desalento, de desespero, semelhante a quando a gente assistia à covid-19 extrapolar a China e aterrissar na Europa, até surgir o primeiros casos em cada parte desse país.
Quando o assunto é a catástrofe climática, o Rio Grande do Sul pode ser entendido como a nossa China. Parece que é só uma questão de tempo até que o combo “aquecimento global + descaso dos governos + chuvas intensas” atinja outros rincões nessa magnitude, né?
E por mais que a gente tenha acumulado uma cacetada de desastres de enormes proporções relacionados às chuvas, nunca chegamos a consequências que envolvem 60% de um estado por semaaaaanas. Tem bairro nessas cidades gaúchas que pode ficar alagado por meses!

Também sempre tem um Joãozinho que faz questão de colocar as tragédias pra competir entre si. “Mas o rompimento das barragens de Mariana e Brumadinho foi pior”, “não, o derramamento de petróleo de 2019 atingiu metade do país”, “nada se compara ao que os yanomami vivem”, “em Petrópolis foram mais vítimas”, “a Palestina é que vive uma catástrofe”.
É claro que cabe questionar a intensidade da cobertura midiática entre um acontecimento e outro. Inclusive, é importantíssimo que a gente faça isso! Os ocorridos com mais atenção sempre vão ser os da região Sudeste porque é onde estão os grandes veículos de comunicação, especialmente os eventos ligados às metrópoles, nos bairros de maior poder aquisitivo e que envolvam mais pessoas brancas escolarizadas. Não é só a imprensa, né? Todo mundo aqui vive sob uma sociedade de valores patriarcais, racistas e elitistas.
Ainda há o advento das redes sociais, onde artistas e influencers pautam temas o tempo todo, e onde ainda existe o efeito cascata imediato. Quanto mais se publica sobre um tópico, mais pessoas acabam sendo influenciadas a publicar também, por inúmeras razões. E tudo isso dá a qualquer evento uma proporção absurda até começar a cansar e ninguém aguentar ouvir falar disso. Nessa conjuntura super digital, acho que a gente perdeu a capacidade de dimensionar os fatos.
E mesmo dentro da mesma tragédia, vêm as Mariazinhas com o papo de “não pode resgatar cachorro ou cavalo porque ainda tem humano em cima de telhado”. Como se existisse um ranking ético de quem vale mais.
Por isso, acho sempre bom lembrar que solidariedade política não se divide, se soma. Você pode ser solidária ao mesmo tempo à causa palestina, aos yanomami, aos refugiados climáticos da Tanzânia, às pessoas trans, aos desabrigados do Rio Grande do Sul, à juventude negra periférica frequentemente assassinada pelo estado, às onças queimadas pelo fogo no Pantanal, aos alagoanos cujas casas tão afundando. Na verdade, é isso que se espera de uma pessoa que vive em sociedade: solidariedade sempre! E até por quem não sentimos empatia nenhuma, como tia Sabrina Fernandes explica esse vídeo maravilhoso do finado Tese Onze (saudades!).
🌎 GIRO DE NOTÍCIAS
Governo federal vai comprar arroz da Tailândia pra segurar os preços
Ééééééé, venener. A gente não fala sempre que a devastação causada pelo agronegócio vai cair no colo do próprio logo em seguida, né? Existe até um conceito que resume isso: agrosuicídio. Pois o mesmo estado gaúcho que têm dado um show no afrouxamento de leis ambientais nos últimos anos, como tratei na edição passada, agora contabiliza R$423 milhões em prejuízos na agricultura e R$83 milhões na pecuária, de acordo com levantamento do Ministério das Cidades. São as duas atividades econômicas mais afetadas pelo desastre recente no Rio Grande do Sul que, aliás, tá loooonge de amenizar.
Se os danos impactassem apenas os bolsos dos amigos do Blairo Maggi, a gente até poderia abrir um meio sorriso. No entanto, nos lugares onde a água começou a baixar a contagem de corpos de bois, porcos e aves de criação passa dos milhares.
Agricultores familiares e assentados também entram na conta dos infortúnios. Só nas cidades de Eldorado do Sul e Nova Santa Rita, sete assentamentos do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) perderam TODA a produção agrícola.
As plantações de arroz orgânico, localizadas na região metropolitana de Porto Alegre, já sofreram com as enchentes do final do ano passado. Dessa vez, os estragos podem atingir metade das lavouras. Mesmo assim, integrantes do MST se organizam na cidade de Viamão pra produzir 1.500 quentinhas por dia e distribuir nas redondezas!!! Nada como quem manja de solidariedade, hein?
Falando em arroz, esse alimento onde depositamos metade da nossa identidade, os danos começam a vir à tona. Entre o que ainda estava pra ser colhido em todo o estado, 11% foi perdido de certeza. Porém, falta muita água baixar pro impacto ser calculado na parte de armazenamento e distribuição.
Outro alerta se acende aqui: não somos autossuficientes (precisamos comprar de fora), mas dentro do mercado nacional a terra da Xuxa é responsável sozinha por 70% do arroz que a gente coloca abaixo do feijão (sim, esse é jeito certo hahaha).
Taí mais um saldo negativo da monotonia de espécies plantadas no Brasil: a gente fica muito vulnerável. Qualquer alfinete já bagunça tudo, gera especulação no mercado e alta nos preços. Isso sem faltar na possibilidade REAL de desabastecimento, né?
Diz o tio Cacá, nosso estimado ministro da Agricultura, que não ficaremos sem arroz. Apesar dos danos, a produção gaúcha seria maior que a do ano passado, além de Santa Catarina, Tocantins e Mato Grosso contribuírem nos estoques também.
De qualquer jeito, o governo federal se apressou em escrever uma medida provisória (aquela canetada do presidente com cara de projeto de lei e validade de 60 dias) pra importar baldes de arroz.
Na última quinta-feira, o tio Cacá já anunciou o país provedor: a Tailândia, a mesma que nos socorreu na pandemia. Em geral, o Brasil compra arroz dos vizinhos Paraguai e Uruguai, mas ambos tão segurando o grão dentro de casa porque também sofreram perdas devido a chuvas intensas. A Argentina também era uma opção, mas pediu mais dinheiros do que a nossa companheira de sul global asiática. Serão 75 mil toneladas de cereais comprados por meio da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), que devem chegar em dois ou três navios nas próximas semanas.
Faz sentido sim o governo despejar R$ 4 bilhões na compra de arroz nesse momento, mesmo com os produtores gaúchos dizendo que dão conta. Afinal, não estamos falando de queijo brie e presunto parma, né? É ARROZ. Item da cesta básica. Mas a equipe do barbudinho não tá comprando somente por precaução, gente.
ASSIM que surgiram as primeiras notícias do desastre gaúcho, o preço da saca no Rio Grande do Sul já subiu. E os supermercados, esses depósitos de ultraprocessados conhecidos pela ótima índole, resolveram ajudar a instaurar o clima de caos. Na semana passada ainda já tinha supermercado subindo o preço do saco e outros, como em Fortaleza, achando prudente limitar a compra por CPF. Isso sem NENHUM sinal de desabastecimento.
Ou seja, num sistema capitalista de merda precisamos gastar dinheiro público pra evitar a especulação do mercado e a alta dos preços. ÓDIO DEFINE. Também temos outro problema pra resolver depois: se os produtores gaúchos se recuperarem bem e tiver muito arroz sobrando no mercado, o preço vai baixar e o lucro deles, reduzir. Aí dá-lhe pressão no governo, gritaria, climão.
Será que agora vai?
Haddad quer incentivar agricultores a diversificar sua produção de alimentos
Embora mereça mil ressalvas, o pessoal do Palácio do Planalto parece engajado em acudir o estado sulista e ter acordado pra algumas questões urgentes de maior abrangência.
Nesta semana, foi a vez do ministro da Fazenda, tio Haddad, dono da voz mais sexy desse governo hahaha, mostrar preocupação com a monotonia na produção de “alimentos” no país. Nosso professor prometeu que o próximo Plano Safra vai incluir medidas pra incentivar os estados brasileiros a diversificarem sua produção agrícola. Esse plano é aquele que fomenta o agronegócio e a agricultura familiar.
“É claro que não se planta o que quiser, é preciso respeitar o bioma. Alguma diversificação nós vamos ter que induzir, justamente para não ficar prisioneiro, porque nem sempre a importação resolve”, disse o ministro nessa entrevista.
Faltou explicar se os incentivos pra plantar soja vão reduzir, pois, do contrário, as medidas não têm efeito. Enquanto o acesso a crédito, o perdão de dívidas, os incentivos fiscais, os investimentos em logística ficarem quase tudo na produção de soja transgênica pra exportação, não tem milagre que faça a galera plantar outra coisa, da Dona Sônia ao coronel latifundiário.
📝 Pra aprofundar: reportagem do Joio e o Trigo explicando porque é mais vantajoso plantar soja do que arroz, feijão e mandioca.
🛒 Me engana que eu compro pras crianças
Vem aí uma nova parceria entre Méqui e Turma da Mônica
Sinceramente, sabe? Eu podia fazer a militante cansada e pular esse tópico pra te poupar da repetição contínua, mas ninguém na internet e fora dela dá a importância que esse tema merece. Então vou ser rápida, mas vou hablar.
É impressionante como o senhor Maurício de Sousa aprecia o casamento entre sua criação mais famosa e os alimentos ultraprocessados. Miojo, gelatina, bolinhos que duram anos, chocolates com corante, nuggets, hambúrguer e bebidas camufladas de sucos não são o suficiente pro portifólio do império dos quadrinhos.
O McDonalds, ou Méqui, sua versão brasileira, lançou uma nova ação publicitária pra alavancar as vendas do McLanche Feliz. Na compra do combo, as crianças ganharão agora um dos cinco livrinhos da Turma da Mônica exclusivos da rede de fast food.
Não é um sonho? A caixinha do McLanche Feliz é composta basicamente por produtos ultraprocessados, incluindo o Danoninho e o suco Del Valle, que na verdade é néctar, não suco. A empresa vende alimentos tão nutricionalmente equilibrados, risos, que só a casquinha de sorvete tem 26g de açúcar, mais do que o total diário recomendado pra uma criança maior de 2 anos e metade do total orientado aos adultos.
Antes dessa novidade, senhor Maurício e senhor Ronald já estiveram juntos em outro case de sucesso. O Parque da Turma da Mônica, em São Paulo, abriga uma lanchonete do Méqui personalizada, com produtos que não se vê em nenhuma outra loja do país: pipoca (medo do tempero amarelo) e cachorro quente (sem comentários).
Essas grandes redes de hambúrguer que promovem venda de comida associada a brindes colecionáveis já foram notificadas judicialmente por isso. Em 2009, o Ministério Público Federal pediu a suspensão desse tipo de promoção pro Bobs, Burguer King e McDonalds, por considerar a estratégia abusiva e ilegal. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) se manifestou favorável à ação do MPF.
O problema é que o processo caiu pra Justiça Federal do Estado de São Paulo (onde tá localizado o Parque da Mônica, vale destacar), que enrolou até 2013 e depois ficou do lado das empresas. O MPF entrou com recurso de apelação, que seguiu pro Tribunal Regional Federal e ainda não foi julgado.
Nosso vizinho Chile, o terror das multinacionais de alimentos, já aprovou uma lei bafo em 2016 proibindo a venda de Kinder Ovo, os brinquedos do McLanche Feliz e impondo que nenhum alimento com apelo infantil tenha personagens estampados na embalagem, como o tigrinho do sucrilhos. A gente também tem uma regulação nesse sentido, mas não tão direta e incisiva.
Fechamos?
Ah! A gente não deveria ter que se embrenhar em vaquinhas ou nas ações de voluntariado se o estado fizesse o seu papel, né? Mas enquanto a gente cobra e pressiona pra isso acontecer, todo mundo precisa comer, beber água, comprar remédio, recuperar sua dignidade.
Minha amiga querida Bruna de Oliveira, mais uma refugiada climática do Rio Grande do Sul, mãe e ativista incansável, criou um fundo pra apoiar ações focadas nas comunidades tradicionais, como as populações quilombolas, e os bichinhos.
Bem melhor apoiar a iniciativa da Bruna do que presentear a sua mãe nesse domingo com um eletrodoméstico facilmente substituível, como uma airfryer hahaha. Desculpa, comiders hahahahaha.
Obrigada por continuar firme aqui e te espero no sábado que vem, hein?
Um beijo,
Juliana.
Só acordos até ofenderem a Entidade Máxima daqui de casa, a ayrfrier! Tá doida?! Mais fácil substituir o conje do que ela hahahaha
Cada vez que separo um todinho ou bolinho pra doação em abrigo me cai uma lágrima aqui.