Olá, venener. Bom sábado pra você! Já foi na feira? Fez as compras da semana? Eu não consegui buscar minhas cenouras sem veneno hoje e tô mandando essa edição mais tarde que o habitual porque não deu. É aquela velha crise comigo mesma, que você conhece dos tempos do podcast: eu não consigo dizer CHEGA e encerrar os assuntos! hahaha
Mas vamo logo ao que interessa. O ano realmente começou pro governo e pro congresso, né? O barbudinho tá todo faceiro com a volta do Brasil ao top 10 de economias do mundo, enquanto a nossa benquista bancada da bala, da bíblia e do boi lubrifica a serra elétrica de 2024. Além do projeto de lei pra ajudar os parça que tiveram perdas significativas na suas lavouras, o que já tratamos na edição piloto dessa news, os ruralistas lá de Brasília têm 2 focos no momento:
🪶 Aprovar o PL 2.159/2021 no Senado, um projetinho muito fofo que lembra o PL do Veneno, mas em vez de aprovação de agrotóxicos, ele afrouxa o processo de licenciamento ambiental. Na prática, as empresas brasileiras ficariam ISENTAS de estudos de impacto no meio ambiente. Dá pra acreditar?
🪶 Criar um projeto pra evitar que os alimentos ultraprocessados sejam presenteados com o imposto seletivo, o fantasma da nova reforma tributária. Você lembra disso? Uma das grandes conquistas do texto proposto pelo Tio Haddad ao congresso é a criação desse imposto extra pra produtos/serviços que causem danos graves, como cigarro, álcool, glifosato, e a família da gelatina. A estratégia da união entre ruralistas e indústria, então, é aprovar um PL que apresente regras específicas de tributação pra categoria da margarina, outras pro requeijão, outras pro sucrilhos. Essa bagunça bateria de frente com a proposta do Ministério da Fazenda de aplicar o imposto extra pro setor todo. Portanto, quanto mais pressão a gente fizer pelo imposto seletivo pros ultraprocessados, melhor! Vem assinar esse manifesto junto comigo, Dona Bela Gil, Seu Drauzio…
🌎 GIRO DE NOTÍCIAS
Agro faz o país superar o PIB do Canadá, mas a que custo?
Quem diria, hein, venener? O Brasil não viu o comunismo ser instalado com a vitória do Luiz Inácio em 2022. Pelo contrário, surpreendendo até comentaristas da Globonews e nossos amigos do Partido Novo, o Produto Interno Bruto (PIB) do país cresceu 2,9% em 2023 com direito a pouca gente usufruindo da bonança, óbvio.
O PIB, vale retomar, é a soma de bens e serviços produzidos num lugar por um período. Em águas brasileiras, quem comanda esse cálculo é o IBGE por meio de dados dele mesmo + do Banco Central + da Receita Federal e Fundação Getúlio Vargas.
Em resumo, trata-se de uma das réguas usadas pra medir o crescimento econômico, conceito que passou da hora da gente questionar, né. Um saldo positivo e acima das projeções costuma acalentar o apetite insaciável da Faria Lima, além de passar a imagem de que a economia vai bem, tem emprego sendo criado, dólar entrando. Um case de sucesso, risos.
O bafo é que esses 2,9% colocaram a nossa economia de volta ao ranking dos 10 gigantes mundiais, ficando atrás apenas de: EUA, China, Alemanha (tomou a frente da terra do sushi), Japão, Índia, Reino Unido, França e Itália. E ultrapassamos o Canadá. Canadá que costuma congelar os seres vivos que habitam o seu território na maior parte do ano, logo, esses trilhões não devem vir das commodities agrícolas, né. No máximo umas monoculturinhas de trigo, que aguenta baixas temperaturas.
Mas como diz o velho chavão esquerdista: “PIB não enche barriga”. A gente tá falando de um indicador macroeconômico que não leva em conta a distribuição dessa grana toda, quais os custos socioambientais das atividades econômicas, uma possível melhora na garantia de direitos básicos. Nada disso. Então não é o caso de colocar o bloco na rua pra comemorar porque esses números merecem duas enciclopédias de problematizações.
Apesar do país do Justin Bieber sofrer pela ausência de farofa na sua matriz alimentar e ter juntado menos bufunfa que o Brasil no ano passado, eles esmagam a gente em indicadores socioeconômicos. Sem exageros, é quase impossível comparar. O Canadá não viveu o delírio dos recordes na colheita de soja, mas tem 15,8% da população em alguma situação de insegurança alimentar. O nosso índice é de 32,7%, com maiores proporções de insegurança alimentar severa.
Já que estamos no mês internacional das mulheres, vamo aproveitar pra espiar os dados de um absurdo que não tem relação com renda diretamente: feminicídio. No Brasil são oito vítimas a cada 24 horas. OITO POR DIA! Canadá: uma a cada 48 horas (número que disparou na pandemia).
Também fui atrás de números sobre trabalho informal e subemprego do nosso vizinho de continente e quase caí pra trás ao me dar conta de que esses conceitos não existem por lá. Imagina como deve ser a vida num lugar onde um entregador de comida tem direitos trabalhistas e não leva bala de um policial por se recusar a subir com a encomenda, hein?
Uma das pistas pra compreender os contrastes entre ambos tá, olha só, no próprio PIB. No Canadá, são as exportações de produtos industrializados pros Estados Unidos que puxam a economia, como peças de carro, produtos químicos, aeronaves, roupa, alimentos prontos pra consumo. Ou seja, itens que exigem mão de obra minimamente qualificada, tecnologia, são caros e empregam muuuuuuuuuito mais gente do que criar boi.
Já o cenário brasileiro você já conhece, sendo venener raiz. Foi mais um ano em que o setor agropecuário puxou o PIB pra cima, com um crescimento de 15%. Mesmo com a falta de chuvas em algumas regiões e enchente em outras, a produção de soja brasileira cresceu 27% e a de milho, 19%. Isso no mundinho econômico é um ACONTECIMENTO, mas que não deve se repetir nesse ano por conta de questões climáticas.
No momento, é complicado afirmar que o agro não emprega pessoas porque já foi muito pior. Sou uma crítica ferrenha dessa turma, você sabe, mas não nego os dados hahahaha. Cidades de médio porte do centro-oeste, como Sorriso (MT), deram um salto em investimentos nos últimos anos por conta da explosão da soja na região. Sorriso, sozinha, produz 1,4% de toda soja transgênica brasileira. É muuuuuuuuita coisa pra um município de menos de 100 mil habitantes. E isso traz umas obras de infraestrutura pra cidade, aquece o setor imobiliário, atrai serviços como dentista, arquiteto, jardineiro, escolas, transporte, etc. Mas se a gente compara com os outros setores da economia, como indústria e serviços, aí rola dizer com todas as letras que o agro emprega pouca gente mesmo.
E ainda tem o preço altíssimo que a gente paga por ser refém do agrobusiness. Tirando China e Estados Unidos, que são mega produtores agrícolas e de produtos industrializados ao mesmo tempo, as nações cujas economias se resumem a exportar commodities foram colonizadas, passam fome, comem mais agrotóxico e tão colhendo mais cedo as consequências das mudanças climáticas. Gana, Nigéria, África do Sul, Argentina, Índia e Brasil são grandes exemplos. Aliás, você tá acompanhando as inundações na Nigéria nos últimos anos? Tá bizarro.
Pra ostentar o título de celeiro do mundo, a cadeia da soja brasileira deixou de pagar R$56 bilhões em impostos federais em 2022. B-I-L-H-Õ-E-S. E ao contrário de um salão de beleza, um restaurante ou um fábrica de bicicletas, a sojalândia não usa mão de obra em todas as suas etapas de produção. O trabalho na ponta é todo feito por máquinas.
Enquanto isso, nas lavouras que precisam de gente do plantio à colheita - como o das frutas, do café, cebola, fumo, cacau, além da criação de animais -, chovem casos de trabalho análogo à escravidão e contratação de trabalhadores temporários. Gente que não tem vínculo empregatício nenhum, roda o país atrás de bicos, e não possui renda suficiente pra movimentar a economia do entorno. Percebe como é lucrativo não ter um sistema educacional de altíssima qualidade no Brasil? Um dos grandes setores da economia se sustenta com pouca gente e com atividades que não exigem escolaridade. Totalmente o oposto do Canadá.
E chegamos no custo político. As lavouras mega lucrativas são as que ocupam mais terras e tão nas mãos das mesmas famílias desde o pau-brasil. O ciclo se retroalimenta assim: mais dinheiro gera mais poder, que gera mais influência nos três poderes e na imprensa, que trabalham pra defender os interesses de quem tem mais dinheiro e poder.
Isso quer dizer que sem uma mega mobilização popular, todo mundo que tentar romper um micro pedacinho desse ciclo vai sofrer um atentado, receber o convite pra cair fora de algum jeito. Você lembra que o golpe de 64 no Brasil rolou exatamente quando o debate sobre reforma agrária tomava forma no congresso? Muitos estudiosos definem as ditaduras latino-americanos como “golpes agrários”. E adivinha quem os apoiou? A corja ruralista. A mesma que tirou a Dilma em nome da família brasileira e sustentou o 8 de janeiro.
📝 Pra aprofundar: vídeo do Tese Onze pra entender por que Brasil e Canadá tão próximos no PIB, mas distantes em indicadores socioeconômicos.
🏄♀️ Pra ir além: artigo de dois pesquisadores no Nexo Jornal discute que já passou da hora das maiores economias do mundo desacelerarem. Mas onde o Brasil fica nessa?
Vitóóória histórica!
Entram as castanhas e saem os ultraprocessados da cesta básica
Finalmente chegamos num tópico digno de comemoração hahaha. Já é oficial. O marido da Janja pegou a caneta e proibiu a presença de alimentos ultraprocessados na cesta básica. Veja bem, venener, não se trata de uma “recomendação” oficial. O verbo aqui é PROIBIR mesmo! Mas vamo entender como chegamos ao decreto que o barbudinho assinou nessa semana.
Além da criação do imposto seletivo, citado no começo dessa edição, a nova reforma tributária trouxe outra vitória: a criação de uma cesta básica nacional. Na verdade, se não fosse a articulação de tantas organizações + o dedo do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) + o do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA) + o da Saúde (MS), a gente podia continuar vendo mortadelas, linguiça e suco em pó entre os itens essenciais.
Antes funcionava assim: quem ditava o conteúdo da cesta básica era uma lei federal do tempo de Getúlio Vargas. Bem atual hahahaha. Mas ela é super genérica e não fazia distinção entre um pedaço de bife e uma salsicha. Aí, ao longo dos anos, a invasão de alimentos ultraprocessados nos supermercados também alcançou a cesta básica.
E olha o disparate! Um estudo dos economistas Arnoldo de Campos e Edna Carmelio junto com o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor e a ACT Promoção da Saúde identificou políticas públicas que favorecem a inclusão de ultraprocessados na cesta básica em seis estados. A exemplo da Bahia, que isenta xaropes e refrescos de impostos. E de São Paulo, que não cobra ICMS de margarina, apresuntados, biscoitos, linguiças, salsichas e mortadelas. É de chorar, hein?
Mas a farra vai reduzir. Sob pressão de uma mega articulação intersetorial, o filho da Dona Lindu assinou o decreto 11.936/2024, que inclui um pacote de ações no combate à fome e orienta a composição da Nova Cesta Básica Nacional de Alimentos.
Tá lá bonitinho, venener: precisa seguir os preceitos do Guia Alimentar para a População Brasileira. São 10 os grupos de alimentos que devem marcar presença, incluindo castanhas e especiarias, com prioridade pra aqueles produzidos pela agricultura familiar mais os itens regionais, que podem variar por estado, como as frutas. Produtos processados, como pães e conservas, precisarão de autorização do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social pra entrar na cesta. E o nosso estimado grupo dos ultraprocessados foi excluído do time. Aeeeeeeeee!
Parece uma migalha diante do tamanho do problema, mas até ontem a gente tinha uma ministra da agricultura, tia Tetê, que atacava oficialmente o Guia Alimentar. A própria definição de ultraprocessado vive em disputa entre nutricionistas e engenheiros de alimentos. O fato de termos um governo que legitima a classificação do Guia e reconhece publicamente os malefícios desse grupo de alimentos é uma baita vitória. Se a gente pensar que estamos no país do agro então…
Agora falta a equipe do Luís Inácio dar o passo seguinte, que é incluir a alíquota zero pra esses itens da cesta básica na regulamentação da nova reforma tributária. Isso ainda não tá definido. Imagina que sonho: alíquota zero pra laranja e imposto extra pro refrigerante, hein?
🐮 NORMAL OU VEGANA DE MERDA?
[A audiência pediu e ele voltou: o quadro que zoa essa palhaçada de que as pessoas são eticamente intocáveis ao entrarem pro veganismo, mas podem perder a carteirinha a qualquer momento]
Nesse retorno do quadro clássico do Jornal do Veneno, a ideia é responder dúvidas enviadas via Instagram da rotina de uma pessoa vegana da classe trabalhadora. Vamo à selecionada da vez:
O objetivo aqui é trazer leveza pra causa, mostrar que não é um atestado de sofrimento e penitência. Então não vou puxar uma discussão macro política do veganismo e seus fundamentos. Existem outros espaços maravilhosos pra isso, como o blog da nossa rainha Sandra Guimarães.
De qualquer jeito, talvez seja o caso de resgatar o básico do básico: ser ou não ser uma pessoa vegana não é uma questão de consumo. É claro que se trata de um movimento, como outros, onde o boicote a produtos e empresas é uma das principais estratégias de luta. Então, sim, a gente escolhe não comprar ou apoiar tudo o que tenha relação com exploração dos bichinhos. Mas a coisa não para aí.
E assim como tem feminista que não é a favor da legalização do aborto, mas bate na tecla de que é feminista sim, tem gente no veganismo que comemora cada lançamento “plant based” da SADIA! É isso. A maneira de aplicar uma estratégia de luta, como o boicote, não é consenso entre a comunidade.
Também não custa lembrar que as pessoas têm rotinas e desafios pessoais muito diferentes, né. Quem trabalha numa plataforma de petróleo não tem a liberdade do povo do homeoffice. E ainda temos a questão de renda, dos hábitos da família e do entorno. Acho que não tem uma resposta fechada aqui, não.
Eu penso que tudo é uma questão de bom senso. Não acho o fim do mundo que alguém, numa determinada situação pontual, cate algum ingrediente de origem animal do prato pra ter o que comer.
Eu mesma já fiz isso algumas vezes, mas sempre no suprassumo do desespero hahahaha. Já teve casamento em outro estado em que precisei tirar o queijo gratinado de cima do macarrão ao sugo ou não teria nada pra comer na festa. Ou outras circunstâncias em que o meu estado emocional (leia-se, deplorável) não me permitia raciocinar direito.
Fora quando a gente é feita de trouxa, né? Você pergunta num buffet se tem bacon no feijão, a pessoa da cozinha diz que não, mas do nada aparecem uns pedaços aleatórios no meio do seu prato. Eu odeeeeeio, mas não vou colocar o resto da comida fora.
Então, acho que é aceitável catar os bichinhos eventualmente, em situações “de modo sobrevivência ativado”. Também temos nossos momentos feministas ou anticapitalistas ou antirracistas ou anticapacitistas ou aliades LGBTQIAP+ de merda. Mas se você tá toda semana e em todos os ambientes catando o quiabo do frango, ou o presunto da lasanha, mona, aí talvez seja a hora de repensar a adesão ao movimento.
Ajudei?
Fechamos por hoje graças ao bom Deeeeusssssss.
Já que o poema do Neruda fez sucesso na edição passada, vou encerrar com outro, mas dessa vez da maravilhosa, estupenda, genial e afrontosa Adelaide Ivánova, que vai lançar livro nos próximos dias. Tudo o que essa mulher publica me causa um alvoroço interno.
Obrigada pela companhia, perdão pelo atraso no envio, um beijo e até sábado que vem,
Juliana.
Amei que o quadro vegana de merda voltou hahahah Eu não compro carnes do 'futuro' e tenho ranchinho delas, mas quando visito a minha avó, ela fica super empolgada em fazer um grande almoço vegano e, na cabeça dela, PRECISA ter carne, então ela compra todas as carnes do futuro que encontra, mesmo eu já tendo dito que não precisava, que era caro, etc. Inclusive lograram a pobrezinha na última vez, vendendo frango desfiado que tinha um selo verde de sei lá o que como sendo vegano, mas era bicho morto. Como vou junto pra cozinha com ela, pude ver o equívoco a tempo hahahha
1 - Fico bem desanimada quando as pessoas olham para o número sem olhar de fato o que ele significa... O PIB aumentou, mas a que custo? Quantas pessoas foram exploradas? Quanto de agrotóxicos foi usado? Por ai vai... Em contrapartida: Cadê as melhorias dos indicadores socioeconômicos? O que vale mais: 1kg de Iphone ou 1kg de melão? hahaha.
2 - Por outro lado, muito legal a retirada de ultraprocessados da cesta básica <3. AMÉM! Só queria entender melhor como alguns estados isentam impostos dessas armadilhas. No final, deixam tudo para escolha/solução individual o que por si só é bem perigoso. Pandemia foi exemplo sim.
Parabéns Ju pela escrita impecável. Sou viciada nessa newsletter haha.